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Blow-Up - Depois Daquele beijo, Cinema, David Hemmings, Filme, Michelangelo Antonioni, Vanessa Redgrave
A dignidade de um filme como este Blow-Up – Depois Daquele Beijo (1966), de Michelangelo Antonioni, faz repensar uma série de argumentos um tanto esquecidos pela indústria cinematográfica. Plano, sequência, caractere, transição: tão digna performance restitui a cada nova exibição as condições determinantes do cinema enquanto arte por excelência. O que não falta ao filme de Antonioni são essencialidades arraigadas naqueles 24 quadros por segundo. Como as melhores obras de arte, Blow-Up não é injusto com o mundo justamente porque o retoma por meio de seus aspectos elementares e, por isso mesmo, transformadores.
Há tanta ação na narrativa ambientada em Londres nos anos 1960 que ganhamos outras sugestões de realidade a cada novo ato – como numa peça teatral cheia de som e fúria. Ao mesmo tempo, entrementes, damos com a criação livre, praticamente vanguardista como as linhas retas de um quadro do Picasso ou o lirismo de um poeta pop/rock. Assim, o estúdio do fotógrafo Thomas, assumido auspiciosamente pelo excelente David Hemmings, possui os recortes lineares semelhantes à própria vida do protagonista, um bon vivant nostálgico, mas inserido até a raiz de seus cabelos naquela época de medos inventados e de paixões tão avassaladoras quanto efêmeras. São estas transições curtas e, em algumas oportunidades, um tanto ingênuas por parte das personagens aquilo que há de mais forte na mise-en-scène de Antonioni – e, tragicamente, o que acabou se perdendo quando das recentes gerações de diretores.
Mais do que filmar a cena contemporânea londrina, o cineasta italiano confidencia com seu espectador que tal obra não se encerra quando completa. Sabemos (Antonioni e nós) que os interesses mais sutis também podem ser os mais inevitáveis e, até mesmo, um possível assassinato – como se houvesse qualquer coisa de concreto! – permanece como uma fotografia imprecisa e ampliada muitas vezes. Não por acaso, o estúdio de Thomas é repleto de portas, acessos e espaços-limites, condicionando a arte às possibilidades da criação humana. E Jane, numa elegante e perturbada atuação de Vanessa Redgrave, faz-se personagem vivaz apenas quando está naquele ambiente fictício repleto de figurinos da moda, cenários que se alternam, spots de luzes e máquinas fotográficas fazendo as vezes do que é típico à sétima arte: se no estúdio as imagens têm de ser reveladas, também será assim com as pessoas e suas histórias.
Sugestivamente vago e insinuantemente atual, a película de Antonioni tem aquela humildade presente apenas nas obras de arte digna dos grandes criadores. Blow-Up é criação; Blow-Up é cinema.
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