Corrida Sem Fim (1971), de Monte Hellman


A televisão ligada, como um espetáculo entediante, fê-lo sair de si e procurar melhores desculpas para terminar o feriado sozinho. Porque imaginava sempre o pior, não lembrou dos amigos distantes, tampouco passou pela sua cabeça pegar o carro e, sei lá, assistir Corrida Sem Fim (1971), de Monte Hellman, num cinema de bairro que se mantêm com recursos públicos e pouco público.

No telefone que tocou pouco tempo depois, a namorada avisava que chegara da viagem antes do previsto; o filho pequeno, que ela tivera ainda adolescente (então envolvida com um homem mais velho), morava noutro estado com a avó materna. O Dia das Crianças, pois, motivara a viagem justamente no feriado prolongado, quando o seu atual namorado planejara um fim de semana a dois, em algum hotel fazenda do planalto serrano.

Conversa atualizada entre ambos, foram ao encontro da exibição em tela grande do filme do Hellman. Os fotogramas projetados mostravam que não era sem destino que as personagens vagavam num Chevy 55, preparado para ganhar corridas. Pelo contrário, o objetivo da dupla de protagonistas era sempre a próxima corrida. Ao mesmo tempo e no mesmo veículo, a garota estava à espreita de uma próxima carona, e o pseudo-golpista, que completava a iconografia cinematográfica, não via a hora do próximo golpe ou do papo-furado seguinte.

O vagar das personagens do road movie trazia ao espectador enamorado uma aflição qualquer, desespero contido de quem descobre um crime, mas tem de manter segredo. Porque a amava ou a desejava, não sabia o que escolher para o futuro. E seguia como o Chevy.

Na película, a aparente simplicidade das situações escondia uma infinitude de valores e conceitos históricos que se confundiam no silêncio dos dias, quebrado apenas pelo ronco do motor. Por não utilizar do artifício da violência, Monte Hellman personificou e encheu ainda mais de significados os quatro condutores sem nome de seu filme. Sem tiros, ou mortes, ou o que for, o mundo noturno revelado nas cenas é tão ou mais inquietante quanto tudo aquilo que se esconde na mente das pessoas.

O casal permanecia de mãos dadas, concentrados naquela pequena obra-prima da mise-en-scène tão vaga quanto objetiva desenvolvida por um diretor de poucas produções.

Quando as luzes da sala acenderam, aviso sistemático do término da exibição, o jovem casal optou por não discutir a produção e fazer um lanche rápido antes de voltar para o apartamento que ambos alugavam num bairro classe-média. No carro, que não era um Chevy 55 nem era rápido, ambos permaneceram em silêncio, olhando apenas para as luzes noturnas de uma cidade grande em fim de feriado.

twolane