Perspectiva segura


Fatos e números nos deixam apreensivos quando indicam o agravamento de uma situação ruim. Parece normal que seja assim, ainda mais se levarmos em conta que todos somos seres midiatizados, para o bem e para o mal. Estas estatísticas são de inegável importância, mas quase sempre carecem de perspectiva. E é o que acontece agora, neste princípio de 2017, com uma crise na segurança pública exibida a partir de presídios superlotados, de uma polícia financeiramente precária e, como sempre, de um sistema jurídico com demasiadas leis e uma atuação sobremaneira obstruída. Circunstâncias assim nos fazem indagar a relevância dos dados.

As centenas de mortes nos presídios brasileiros e na ausência do policiamento no Espírito Santo são tragédias porque concentram num curto espaço de tempo um aspecto horripilante de uma nação desigual qual a brasileira. Aqui a perspectiva é bem vinda, e deve nos alertar de algumas condições na raiz destas desventuras. Em 2015, por exemplo, foram 278.839 mortes violentas no Brasil, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. É um número absurdo, você há de concordar, mas que raramente vemos associados com os bilhões de reais desviados pela corrupção ou ainda com as centenas de deputados eleitos por votos indiretos. São questões elementares que deveriam pautar as iniciativas públicas e populares no que compete à segurança e, também, à saúde, à educação, etc…

Entrementes, defender as mortes de criminosos, como alguns fizeram nessas ocasiões de crise, é de uma total ausência de perspectiva. É esquecer que os assassinos, provavelmente o pior tipo de ser humano, continuam vivos, com ainda mais poder agora que exterminaram seus rivais. Mas a pobreza de espírito também pode ser combatida com uma educação rica em qualidade e diversidade. Ideais, aspirações, intuições e outros aspectos da experiência individual têm de ser geridos no bojo da família e ampliados na escola. Essa falta de perspectiva educacional deve ser a nossa mais grave falta social; o que permite esse jeitinho sacana de levar vantagem à custa de outrem, esquecendo que um problema ignorado sempre se torna um problema maior, como os números não cansam de mostrar.

> Crônica publicada no jornal Notícias do Dia em 16/02/2017.

Gravidade zero


Num futuro talvez não tão distante assim, os que sobrarem de nós e dos nossos terão abandonado a Terra seja pela poeira das indústrias ou pela contaminação de mares e rios. Esse planetinha que nós tanto amamos (ainda que não o tenhamos respeitado como deveríamos) será somente uma lembrança nos corações vindouros e talvez a grande ficha cairá sobre eles como um meteorito de alta precisão.

O vácuo do espaço, então, será o abrigo temporário, enquanto os físicos de então buscarão uma forma de contornar a velocidade da luz para ocupar planetas longínquos. A exploração espacial já não terá mais este nome porque fará parte do cotidiano daquelas gerações sobreviventes. E, cá entre nós, na imensidão do cosmos sabemos de pouquíssimos lugares convidativos. O jeito será permanecer protegidos em naves ou estações espaciais que possam garantir a manutenção da espécie e, com sorte, de parte do meio ambiente que nos sustenta.

Assim, surgirão dúvidas sobremaneira relevantes quanto à existência sob o impacto da gravidade zero. Para além das dificuldades normais (como, por exemplo, os objetos caírem para cima), que outros dilemas essa força de atração nos legará?

Vejamos, por exemplo, as relações privadas. Imagine você amando tão próximo às estrelas, mas as cobertas teimando em levitar por conta própria, descobrindo os corpos encaixados. O espaço é frio, lembrem-se disso. Só o calor humano e um aquecedor de ar para dar conta do recado.

Outras impropriedades repercutirão nos esportes. Se haverá algum contratempo para marcar um gol num jogo de futebol, imagine para pontuar numa partida de vôlei, quando a bola obrigatoriamente precisa encostar no chão para a jogada ter fim. Será o caos para os árbitros.

Do esporte, pois, partimos às atividades domésticas. Regar o jardim? Só se a grama estiver no teto. Mudar os móveis de lugar? Sim, mas com pregos e martelo do lado. Donos e donas de casa ainda precisarão manter sempre seus lares fechados, pois todos os seus pertences poderão sair pelas janelas caso esta medida não seja tomada.

Mas o que falar das leis e dos governos? A ausência de gravidade trará algum benefício nesses aspectos? É difícil prever, pois vivemos um período de grande desrespeito para com a jurisprudência. O que valeu para ontem poderá não valer para amanhã. Mesmo assim, podemos supor que a corrupção e a bandalheira em geral não terão o mesmo peso em gravidade zero. Os inimigos públicos deixarão de carregar um enorme fardo que parecerá muito mais leve do que realmente é. A eles, desejamos um futuro pesado no único espaço que lhes compete: a cela de uma cadeia. É esperar para ver.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 02/06/2016.