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Crônicas de Evandro Duarte

~ Textos sobre o universo ao meu redor.

Crônicas de Evandro Duarte

Arquivos da Tag: Família

Felicidade e bom humor

10 quarta-feira jan 2018

Posted by Evandro Duarte in Pensamentos Imperfeitos

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Família, Felicidade, Humor, Lembranças, Memórias, Vida


O mundo anda tão cheio de singularidades e pormenores que alguns teimam em diferenciar bom humor de felicidade. Numa análise criteriosa, vá lá, as sutilezas são as que mais interessam. Um comentarista perspicaz observa idiossincrasias naqueles conceitos que soam como se existissem desde sempre. Mas aqui, neste momento da história humana, quando estas palavras querem se transformar em pensamento e coerência, digo em alta e boa fonte: DETALHISTAS NÃO PASSARÃO! Felicidade e bom humor são, SIM, duas faces sorridentes da mesma moeda de valor incomensurável. Não será um linguista ou, menos ainda, um sociólogo que me dirá o contrário. Sem máquina do tempo, viajo ao passado com a velocidade de uma lembrança e dou com minha avó e minha mãe, unidas por um laço tão precioso para além do sangue. Sentimento e memória. Jamais conheci duas pessoas, mãe e filha, de gênios tão distintos quanto minha mãe e minha avó. Ainda assim, certamente, foram dois dos seres humanos mais bem humorados e felizes que jamais conhecerei. Calma e essencialmente pacífica, minha mãe se interessava no outro, no próximo imediato, com um olhar intimista e nada introspectivo. Agitada e ligeiramente brava, o riso de minha avó corria frouxo com a mais trivial cotidianidade. O sorriso e a afeição acompanhavam ambas; filha e mãe de coração e caráter. É um comentário parcial, não nego, mas por isso mesmo, tão justo como um filho e um neto cheio de saudade pode ser.

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Crônica sobre adolescentes

20 quinta-feira abr 2017

Posted by Evandro Duarte in Pensamentos Imperfeitos

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Adolescente, Experiência, Família, Juventude, Vida


Não é novidade dizer que os adolescentes são uma espécie curiosa. Eles estão naquela mística fronteira do que já foi e do que ainda não é. Nem criança, tampouco adulto. Já paga suas contas, mas não ganha para seu sustento. Os que têm oportunidades estudam. Os mais ansiosos querem sair de casa e abraçar o mundo – ‘inda mais nesse tempo de distância encurtadas pela proximidade virtual. Não satisfeitos com uma única causa, assumem para si o passo seguinte da humanidade. Eles não compreendem as próprias mutações, mas não tardam a bradar por revoluções e mudanças de ordem prioritária. Claro, há os que abstêm – mas aí não são apenas os adolescentes.

Ainda que uma experiência individual não justifique o entendimento sobre toda uma espécie, teço cá algumas nuanças sobre o tema porque já passei pela adolescência. Se tive facilidades para algumas coisas, como criar uma redação, por exemplo, passei por grandes desafios que cabem a todo principiante. Erramos; aprendemos. Às vezes, erramos de novo, mas por outros motivos, e assim seguimos até que nos damos por amadurecidos – e aqui vai de brinde um segredinho: ninguém nunca amadurece por completo.

O adolescente ou a adolescente tem todo o direito de errar. Mas, espere aí um momento: não vá ser um vacilão. Os erros de quem tem caráter são bem distintos daqueles que insistem no conforto do conflito. Para minha limitada compreensão desta espécie, o que causa preocupação mesmo são as influências. E, ainda que negue veementemente, o adolescente é influenciado o tempo todo. A experiência causa dores, frustrações e afins que bloqueiam grande parte destas sugestões de terceiros. Antes que venha a apreensão, calma lá: tem muito divertimento e alegria pelo caminho. Difícil é dosar o entendimento do que faz bem ou mal para a mente e o corpo. Daí a importância de ter a constância de uma companhia experiente, que seja mentora de novas ideias e não uma reprodutora de conceitos ultrapassados.

Adolescentes, provavelmente, pouco se importam para o que pensamos deles. “Uma crônica de jornal? Bláh!”, exclama um deles hipoteticamente, com toda a autoridade de sua jovem idade. E, então, pensamos: na nossa época, também éramos assim?

> Crônica publicada no jornal Notícias do Dia em 20/04/2017.

Sentido na saudade

09 quinta-feira fev 2017

Posted by Evandro Duarte in Pensamentos Imperfeitos

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1980, Família, Saudade


Cada dia é uma nova oportunidade que encontro para me convencer daquilo que pode ser o sentido da vida. Vasculho, mexo, indago e perscruto ideias submetendo-as à lógica de quem só consegue ouvir bem com o coração. Entre uma batida e outra, num suspiro vívido e quase pontiagudo, deparo-me com a singeleza amiúde da saudade. Porque ali está a paz que procuro.

Parece uma obviedade sem tamanho, do tipo frívolo e cujo discurso feito está fartamente preenchendo os livros de autoajuda. Não é. Eu mesmo demorei um bocado para tê-la sob minha companhia, porque os desvios são muitos. E é comum se enganar. A saudade pode tender para um lado triste, pois remete a um tempo que não existe mais. Aí está o engano. O que passou continua a existir para todo o sempre; como uma cicatriz ou uma tatuagem que carregamos sem pesar.

Na correria do cotidiano, não prestamos atenção nas saudades que cultivamos o tempo todo. No meu caso, carrego saudade de três décadas de vida e mais uns anos soltos. Da minha infância nos anos 1980, quase não tenho memórias específicas, de fatos precisos e nítidos em forma de pensamentos. Ainda assim, trago comigo uma saudade imensa daquela década porque ali fui forjado. Com minha mãe, meu pai, meus irmãos, parentes e amigos, tomei as decisões que me trouxeram até aqui, assimilando as características que me eram possíveis. Descobri algumas verdades que me perseguem até hoje, e sou grato por elas.

Há sentido na saudade quando conseguimos nos afastar dos preconceitos aos quais fomos submetidos enquanto crescemos. Se você quer saber mesmo, a humanidade é ainda muito inexperiente sob uma dezena de aspectos. Mas também somos divinos quando descobrimos que fomos nós mesmos que criamos as dádivas. É da nossa natureza ser épico; faz parte da nossa aventura este reencontro com a saudade.

Dizem por aí que a saudade é uma palavra exclusiva da língua portuguesa, cujas raízes poderiam remeter à época das grandes navegações. Os lusitanos de outrora, distantes de sua terra natal, externaram a falta que sentiam dos seus por meio da saudade: palavra e sentimento unidos numa mesma pulsação. Mas a saudade está disponível para todos, em qualquer idioma. Basta apenas um coração que quer bater e fazer sentido.

> Crônica publicada no jornal Notícias do Dia em 09/02/2017.

Dia de Natal

22 quinta-feira dez 2016

Posted by Evandro Duarte in Pensamentos Imperfeitos

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Família, José, Maria, Natal, Perdão


Ocorreu num 25 de Dezembro. Ninguém lembra o ano exato, mas a fidelidade dos detalhes, dizem, é espantosa. Como se lá alguém estivesse com um gravador ligado. Então, a magia se fez:

– Com licença.

– À vontade.

– Desculpe o mau jeito com o carrinho de compras. É que está tudo muito cheio.

– Não tem problema, só me encostou de leve. E, além do mais, é Natal! O melhor dia para perdoar, não é mesmo?

– Indubitavelmente. E, afinal, acho que estamos no único mercado aberto em toda a cidade.

– Acho o mesmo. Passei por uns três ou quatro bairros procurando até que encontrei este aqui. Seu carrinho está bastante cheio. Família grande?

– Sim. Quer dizer, muitos tios, primas e sobrinhas. Eu, particularmente, ainda não tenho a minha.

– A sua?

– Família. Ainda não construí. Sabe, nunca casei, nem tive filhos. Mas quero.

– E quem não quer?

– Como é?

– Digo… acho que, no fundo, quase todo mundo quer. Também estou nesse time aí seu dos “sem família”. Quem sabe não montamos um clube…

– Notei que você está só com uma cestinha de compras.

– É. Somos apenas eu, meu pai e minha avó. Ela era imigrante e tanto eu quanto meu pai somos filhos únicos.

– Que bom. Quer dizer… que legal que também estão reunidos hoje. Pelo jeito, hoje teremos dois almoços bem familiares. Desculpe por ficar observando os produtos da sua cestinha, mas acabei de ver um vinho da mesma marca que eu escolhi.

– Santa Ceia? Na verdade, peguei por causa do nome, e por que o meu pai adora vinho seco. É uma marca boa?

– Uma das melhores. Seu pai vai saborear com certeza.

– Espero que sim. Sabe, não temos a tradição de dar presentes nessa época. E tem esse lance da crise… enfim, hoje vamos só compartilhar um dia que é especial justamente porque é igual a qualquer outro. Não nos tornamos melhores ou piores só porque é Natal. Eu não acredito nisso. Mas sei que as pessoas podem fazer o bem em qualquer tempo, em qualquer dia. E hoje é um deles.

– Concordo. E você já fez um grande bem hoje perdoando minha atuação desajeitada com o carrinho. Foi um prazer te conhecer… aliás, posso perguntar seu nome?

– Claro. Pode me chamar de Maria. E também foi um prazer te conhecer…

– José.

No Natal seguinte, José e Maria dividiam o mesmo carrinho. E o mercado continuava cheio.

> Crônica publicada no jornal Notícias do Dia em 22/12/2016.

A criança, a amamentação e o universo

27 quinta-feira out 2016

Posted by Evandro Duarte in Pensamentos Imperfeitos

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Amigos, Amizade, crianças, Família, Sociedade


A queda de um copo de vidro desperta a criança dormindo numa das cadeiras do restaurante. É hora da refeição. Para uns, um mais que saboroso buffet de carnes. Para a criança, o mais que necessário leite materno. Na amamentação, a vida e as possibilidades infinitas de quem ainda vai descobrir que essa experiência é única. Quando crescer, talvez a criança guarde-se em sua própria estrutura sentimental e se torne uma existencialista, daquelas que tem carteirinha de clube do Sartre e tudo. Mas não a fará mais ou menos feliz tal destino. Porque o conhecimento há de lhe abrir algumas portas, mas o contato físico, pessoal, afetivo intuirá outras janelas pelas quais será defenestrada, ainda que metaforicamente, do seu ambiente de convicções.

A criança mama com os olhos abertos, perscrutando quem lhe rodeia com sua imaginação em ebulição. Mesmo sem ter aprendido a falar, ela conta para si mesma que está segura no colo da mãe. De tempos em tempos, o pai lhe dá uma espiada e faz alguma careta engraçada. Essa coisa louca, antiga, moderna chamada família lhe traz algum sentido enquanto todo o mundo ainda não foi explorado. Talvez ela se torne uma exploradora. Do tipo que olha para baixo, como os arqueólogos? Ou do tipo que levanta a cabeça em direção às estrelas, como os astrônomos? Teremos que esperar para ver. De algum modo, sua preocupação é menos conceitual e mais urgente, quase efêmera, mas super relevante.

A refeição dos adultos ainda está longe de acabar, mas a da criança parece estar chegando ao fim. Ela fecha os olhos, não se importando com a acirrada e alegre conversa de seus pais e dos amigos deles. É bom tirar um cochilo para manter a juventude em dia. Em alguns anos, ela também descobrirá os amigos. No início, não importarão gostos pessoais, opiniões políticas ou questões do gênero. Haverá somente a brincadeira, o lazer, a diversão de quem teve uma oportunidade dourada numa sociedade cheia de tons acinzentados. Nas amizades que ganhará ou perderá pelo caminho, verá que não foi simples assim para todos. E aprenderá com os erros da imaturidade e o conformismo da sabedoria. Mudará.

Assim que terminou de mamar, pegou no sono outra vez, enquanto a mãe registrou aquele tenro momento com o celular, postando a imagem da criança numa rede social. E todo mundo curtiu.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 27/10/2016.

cronicafalada

Antes da música acabar

19 quinta-feira maio 2016

Posted by Evandro Duarte in Pensamentos Imperfeitos

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Amor, Arte, Casal, Conto, Croniconto, Família, Música


Dois passos para lá, outros dois para cá. Assim eles tomaram o salão para si e não estavam nem aí para as dezenas de convidados. Num mundo imperfeito, a música não precisa fazer sentido. A oportunidade está ali, cadenciada, disponível para todas as pessoas que se entregam sem medo. Uma brincadeira, uma fuga, uma atenção especial com aqueles que se lhes aprazem.

Em algum momento, nem mesmo o salão seria preciso. O espaço de que necessitavam era mínimo; uma intersecção na troca de olhares. De quando em quando, as bochechas se chocavam numa explosão do acaso não acidental. Algumas palavras se perdiam, porque só importavam os passos e o ritmo.

Tom sobre tom, nota pós nota, a música condicionava-os a um estado catártico – talvez extemporâneo, certamente sentimental. E quem não se emocionaria com aquela cena tão típica de filmes jamais realizados? Os sapatos sobre o chão estalavam com o mesmo vigor de um choque estelar. Vibratos vibrantes davam um ar épico quase desnecessário quando aquele tempo não se sujeitaria ao metrônomo. Era uma vez outra história sem moral definida.

As mãos apertadas e suadas enlaçavam para além da pele. Ambos sentiram qualquer calafrio que não prejudicou o andamento do bailado. Um compensava a falta de ginga do outro; não eram simétricos e não buscavam igualdade tampouco. Sabiam-se mútuos, incompletos, atingíveis, transponíveis, irremediavelmente únicos.

Alguém com um olhar rancoroso ou entediado poderia torcer para um tropeção ou outro deslize rítmico qualquer. Deixem-nos com a sua incoerência. Nada menos digno que desejar a infelicidade, mesmo que numa trivialidade musical. A competência dos dançarinos não estava em pauta. Não havia júri para lhes dar nota e, mesmo que houvesse, seria solenemente ignorado. Que cada um cuide de sua vida e encontre sua própria melodia!

Ainda que o fôlego não fosse mais o mesmo da juventude, eles não titubearam um momento sequer. A união sacramentada no esforço da dança expiava muito além dos cinquenta anos de casados que completaram ali mesmo, numa cerimônia formal repleta de parentes, amigos e dois penetras que ninguém conhecia.

Eles sabiam que tudo tem um fim porque é somente o universo quem cuida da eternidade. Por isso, não se chatearam quando a música acabou. Deram o melhor de si para não perder o compasso ou a onda de felicidade provocada pelos estímulos sonoros. Muito mais do que um sorriso de satisfação, encontraram ao final da música a verdade incompreensível de uma última dança.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 19/05/2016.

cronicafalada

Testemunhas da revolução

18 quinta-feira fev 2016

Posted by Evandro Duarte in Pensamentos Imperfeitos

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Conhecimento, Ensino, Família, Governo, Guerra, Pós-Guerra, Revolução


Com as revoluções, alguns ajustes se tornam desejos insólitos de quem ainda está tateando vagarosamente com medo de pisar na ponta de um prego. Pelas ruas, pedaços de quartéis e casas e escolas compõem uma massa disforme: eis o preço das ideologias.

– A reconstrução não será fácil; comentou o empreiteiro para o governante de olhos mal dormidos.

– Mas tem de ser feita, mesmo que ninguém acredite ser possível neste momento; retrucou o homem de poder.

Enquanto o trator colocava entulhos e lembranças sobre uma caçamba já quase lotada, o morador sobrevivente veio ter com sua esposa que o esperava em pé na frente do que um dia fora sua casa. Ela estava com a maquiagem borrada, misturada com a poeira deixada após tantos meses de atos revolucionários.

– Quando apoiamos a causa, sabíamos que isso poderia acontecer, mas mesmo assim é bem chocante; admitiu o marido.

– Só me parece estranho pensar que nós somos os vencedores. Sei que as comunicações estão interrompidas e que as notícias do outro lado nos chegam pela metade… mas… mas… não consigo entender a necessidade disso tudo, dessa separação internacional e tudo o mais… nem sei se algum dia vou aceitar essa tragédia sem que doa fundo; ela mal conseguiu falar entre soluços.

Para o espectador local, testemunha ocular destes dias longos e angustiantes, a sensação de alívio ainda não é um luxo ao qual se pode desfrutar. A realidade em forma de tiros, projéteis e afins brotou de algo parecido com uma utopia, mas tão confuso como um sonho sem início ou fim.

Dos escombros de uma escola, um livro numa estante parecia fazer parte de um ambiente de paz. Estava limpo, praticamente na mesma posição de antes, quando tudo ao seu redor era uma estrutura de conhecimento.

O garoto que pegou o livro estudava ali noutras horas mais claras. Ainda lembrava do último dia de aula e da lição que fez sobre as fronteiras de seu país. O antigo professor se aproximou, retirou o livro das suas mãos e guardou na mesma prateleira em que estava.

– Sabe, professor, sou uma criança inocente, mas não ingênua. Da minha maneira entendo o que está acontecendo aqui: é um acerto de contas entre mentes fracas, não é?; questionou o aprendiz com a certeza dos bravos.

– Pode ser. Entretanto, não sei se é essa a pergunta que eu realmente gostaria de ver respondida. Gente como a gente tem de se apoiar no que os livros ensinam e naquilo que nossa imaginação avalia. Todo mundo tem o mesmo tipo de coração batendo dentro do peito, não é?; o mestre devolveu a pergunta.

– Pode ser. Pode ser mesmo; completou o menino.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 18/02/2016.

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Familiares

21 quinta-feira jan 2016

Posted by Evandro Duarte in Pensamentos Imperfeitos

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Crônicas, Família, Fotógrafia, Lembranças, Memórias, Recordações


O tempo conta uma história sobre eles, ainda que não a compreendam durante sua própria narrativa. Um recorte instantâneo do mundo na foto da família colocada numa imensa moldura na parede da sala de estar.

Quem eram aquelas pessoas e o que faziam naquele determinado momento? As lembranças já não são precisas assim porque há uma urgência que escapa aos dias, como a felicidade inconstante jamais encontrada em atos de vingança. Mas não, não era nada tão drástico assim. Apenas uma nuance cheia de intenções captadas pela lente de um fotógrafo do qual ninguém mais recorda o nome – afinal, ele não era da família.

Na imagem rural, todos se arrumaram para o evento em frente à velha casa de madeira na qual nascera o patriarca. A modesta habitação já não combinava mais com as muitas riquezas acumuladas pelos filhos e netos. Entretanto, por algum motivo nostálgico, preservaram o local como um símbolo do progresso. Para alguns, apenas um ventinho de vaidade refrescando-lhes os rostos: olhavam o passado, mas gostavam mesmo do presente. Para outros, tudo não passava de uma união estranha. Entre primos e tios que pouco se viam, também existiam aqueles que nunca se deram bem. Rusgas e feridas de outrora que ainda não cicatrizaram por completo. Perdoar é mais difícil para os orgulhosos. Mesmo assim, todos sorriram no momento em que o flash foi disparado. Já era. A fotografia seria por si só um contexto fechado. As interpretações posteriores também viriam daquela imagem tão rápida qual um suspiro.

Olhando para o quadro, suspirou. Não visitava os avós há muito tempo porque escolhera sair daquele círculo familiar. Mudou de estado civil (casou), mudou de estado da federação (foi para o Norte) e encontrou na distância daqueles que um dia lhe foram tão próximos um entendimento libertador de quem não deve nada a ninguém. Claro que existiram mágoas, mas estas foram esquecidas tão logo se mudou. Voltou para uma despedida. Um adeus para a avó que já perdia as forças que o mundo cobra. E logo que entrou na casa dos avós, o quadro lhe surpreendeu. Era ainda um garoto quando olhou para a aquele anônimo fotógrafo que pedia que todos lhe dissessem “x”. Quanta bobagem, pensou de imediato ao ver o cabelo curto, molhado e penteado, que usava à época – justamente o oposto de agora. O avô reparou que ele olhava fixo e tirou sua atenção com um abraço. Foi só então quando aquele mundo acabou que ele aprendeu a começar de novo. Despediu-se da avó com um registro apenas na memória – o flash ficaria para quando se reencontrassem.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 21/01/2016.

Enganos

03 quinta-feira dez 2015

Posted by Evandro Duarte in Pensamentos Imperfeitos

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Amor, Conto, Doce, Família, Filhos, Salgado


O amor também é feito de enganos: conclusão lógica com o passar dos anos. Viviane discou o número errado. Eurico atendeu do outro lado.

– Este é número da loja Salgado & Cia?

– Não. Mas e você, quem seria?

Foi assim que começou a conversa. Ao acaso, sem nenhuma pressa. Eurico, que gostava de doce, convidou Viviane para sair. Ela disse “ok, mas só se você me deixar a conta dividir”.

Encontraram-se. Entenderam-se. A chuva, que já durava mais de uma semana, passou enfim. Fora mera coincidência ou o arremate de um drama que terminou com um sim.

Ele sugeriu um beijo demorado… típica sugestão de recém-namorado. O primeiro contato lábio-a-lábio: a decisão mais difícil para o casal sábio. E tudo rolou tranquilamente, apesar de um rubor facial como quando alguém mente. Mas ali só havia espaço para a verdade. O amor jovem é ausente de vaidade.

Viviane contava com apenas 23 anos de vida. E já se dizia uma pessoa bem resolvida. Já Eurico acabara de completar os trinta. E só fazia colorir os dias com tinta. Sim, ele era um pintor de paredes muito bem recomendado; enquanto ela trabalhava com festas e eventos para um conglomerado. Apesar de profissões tão díspares, no amor sempre respiraram bons ares.

Dois anos mais tarde, nasceu o primeiro rebento. Num dia abençoado, batizaram-no de Bento. Dez meses se passaram: nasceu a primeira menina. Homenagearam a avó materna, chamando-a de Nina. E o terceiro filho veio em meados de maio. E foi Bento que sugeriu o nome “Caio”.

Com o trio composto, queriam ir para uma casa maior. Mas a crise bateu, e o salário ficou pior. A solução encontrada foi se mudar para o lar da Vó Nina. E abandonar o sonho de contar com uma companhia canina. Sim, as crianças queriam por demais um cachorro. Mas este seria apenas mais um a pedir socorro. A vida em família é sempre um cálculo de múltipla escolha. E quando a parte financeira infla, não se pode deixar explodir a bolha.

Foram tempos difíceis, mas que ficaram no passado. Hoje, todo mundo já está bem acomodado. Bento não mora mais em casa, pois foi fazer faculdade. E Nina está noiva de um rapaz aqui mesmo da cidade. Caio, por sua vez, ainda está no colegial. E a Vó Nina lhe tem um apreço especial. Coisas de vó, vocês sabem. Alguns sentimentos não nos cabem.

Viviane ganhou seu primeiro cabelo branco, mas tratou logo de pintar. Eurico fez uma cirurgia para corrigir a visão, mas ainda continua a pintar. Ela está organizando a festa de seus 25 anos de casamento. Ele foi à rodoviária buscar o Bento. Até hoje, ela ainda não descobriu o telefone da Salgado & Cia, mas agradece ao engano que lhe deu uma doce família.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 03/12/2015.

Depois do Natal, no apartamento

26 quinta-feira dez 2013

Posted by Evandro Duarte in Pensamentos Imperfeitos

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Família, Natal


O casal chega em casa na madrugada do dia 25. Horas antes, a revelação do amigo secreto. Ele pegara aquele tio… justamente o tio mais difícil de se presentear. Já passara uns maus bocados para escolher a lembrancinha do chefe, na festa da empresa. Mas ele precisava daquela promoção. Já na família, os transtornos eram outros. Em primeiro lugar, a festa aconteceria muito longe. Mais de uma hora e meia de distância, sem falar no trânsito da SC. O importante é que estavam de volta ao apartamento. Exaustos, mas satisfeitos.

 – Sua mãe gostou bastante do livro de receitas que eu escolhi, viu?, ela perguntou enquanto abria a garrafa de vinho.

– Vi. E, mesmo que o livro tenha sido escrito por uma bruxa, a mãe aceitou bem., ele comentou enquanto se jogava no sofá.

– É o espírito de Natal. As pessoas fazem coisas nessa época que não fariam em outra ocasião, mesmo que se envergonhem depois.

– Pode ser. Mas achei o pai meio cansado disso tudo. Quando a gente era criança, ele parecia curtir mais. Será que isso vai acontecer com a gente também?

– Quando ficarmos mais velhos?

– É.

– Talvez, talvez… mas acho que vai ser o contrário.

– Eu mais disposto e você de saco cheio?

– Mais ou menos. Está ficando difícil ano após ano. A sua família está envelhecendo. Tua sobrinha vai casar em breve. Não tem mais criança correndo pela casa.

– De novo este assunto? Achei que a gente tinha dado um tempo. Desencanado de tentar ter o nosso filho. Pelo menos, até as coisas melhorarem no trabalho.

– Eu não desisti. Sei que as coisas não são sempre do jeito que queremos, mas já estou na casa dos quarenta…

– Na casa ou no apartamento?

– Detesto quando você faz piada deste assunto.

– Desculpe. Não foi por querer. Eu estava prestando mais atenção à Missa do Galo do que na sua conversa.

– Ah, que bom. Isso melhora tudo.

– Já pedi desculpas.

– Que seja. Acho que vou deitar.

 – Mas…

Mas ela realmente estava chateada. Além do cansaço da noite, estes dias natalinos pesavam no pensamento. Filhos, quase sempre, completam uma família. Ele queria comprar um cachorro, mas ela sempre dizia que não seria a mesma coisa. E as dificuldades para engravidar eram dela mesma.

Ele foi dormir. Sussurrou no ouvido dela umas frases de amor. Tudo muito clichê, mas até que funcionou. Foi quase um milagre. O filho nasceu em 09 de setembro. E, desde então, 09/09 tornou-se o dia mais importante de suas vidas. Na festa de Natal do ano seguinte, o choro do membro mais novo daquela família foi o som mais bonito que todos ouviram.

 > Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 26/12/2013.

Antes do Natal, ao telefone

19 quinta-feira dez 2013

Posted by Evandro Duarte in Pensamentos Imperfeitos

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Bruxas, Família, Fim de Ano, Natal, Presente, Sobrinha


É sábado de manhã. Ele está dormindo em casa. Ela está na rua fazendo compras para o Natal, justamente porque é sábado de manhã. O telefone toca ao lado da cama.

– Alô…

– Que voz de sono é essa? Já passam das 10 horas.

– Já? Aqui está tudo escuro.

– Se abrir a cortina… o fato é que eu estou na rua desde cedo e ainda faltam metade dos presentes. Sem falar no Amigo Secreto que eles inventaram lá no teu serviço.

– Esses crápulas! Se eu soubesse que ia dar trabalho, nem tinha aceitado participar. Brincadeira, tinha sim. Afinal, foi ideia do chefe e eu estou precisando daquela promoção.

– Promoção tem aqui, mas é de outro tipo. E bem ruim, por sinal. Enfim, preciso saber o que comprar para os teus parentes.

– Já disse antes: Pode comprar qualquer coisa. Eu me responsabilizo pelas caras feias da minha família.

– Mas me ajuda.

– Está bem. Quem falta?

– Pela ordem: primeiro, a tua sobrinha.

– Ela é fácil. Pegue qualquer livro dessas histórias de bruxas para adolescentes.

– De bruxas? Não posso comprar também um livro com esse tema para a sua mãe?

– Engraçadinha. Próximo da lista.

– Teu irmão.

– Ah, ele é um pouco mais difícil. O cara coleciona todo tipo de coisa. Acho que ainda não ajudamos a completar a coleção de latinhas de cerveja importadas dele.

– Latinhas de cerveja? Não tem nada melhor?

– Melhor do que cerveja? É um presente tão bom que, se ele tiver repetida, poderá consumir do mesmo jeito.

– E falta também a tua mãe.

– Esse tem que ser um presente caprichado. E caro. Ano passado, acho que ela não curtiu muito a fruteira que eu escolhi. Poxa, olha que cabiam umas trinta laranjas. Até eu teria uma daquelas se gostasse de fruta. Ah, sei lá. Escolhe um vestido branco para ela passar o fim de ano. Só não compra nada muito quente, porque eu acho que ela está na menopausa e… você sabe.

– Não, eu não sei. Eu estou longe da menopausa e também muito longe de terminar essas compras de Natal. Aliás, se você já acordou, deveria vir aqui no Centro me ajudar. Estou cansada de carregar essas sacolas e não posso ficar indo e vindo do carro a todo instante.

– Está bem. Vou tomar banho. Onde é que tem toalha?

– No banheiro, lógico. E anda logo que meu braço está doendo.

Ele desligou o telefone, abriu a cortina e foi tomar banho. Chegou no Centro e, em dez minutos, terminou as compras ao lado da mulher. No dia seguinte, durante a entrega dos presentes, qual não foi a surpresa da mãe dele ao ganhar um livro de receitas escrito por uma bruxa.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 19/12/2013.

É genial

24 quinta-feira maio 2012

Posted by Evandro Duarte in Pensamentos Imperfeitos

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Amigas, Amigos, Família, Sobrinha


Geniais mesmo são aquelas pessoas que a gente conhece de tempos em tempos, formando uma rede pessoal de sentimentos bacanas, compondo um cenário de diversão e diversidade.

Meus avós maternos, por primeiro exemplo, são destas pessoas que se completam porque diferentes. Os dois construíram uma grande família, mas jamais se esqueceram de cuidar um do outro nos mais de 60 anos que estão casados, e isto é genial.

Tenho uma sobrinha que se aprofundou em literatura por conta própria, mesmo que ela afirme que eu seja um dos responsáveis, já que os livros exercem certo fascínio sobre mim. Mas há muita verdade no seguinte fato: os principais responsáveis pelas escolhas somos nós mesmos, e se ela gosta de literatura, de livros e afins, a sorte toda é dela, o que é, sem dúvidas, genial.

Os dois irmãos que nasceram antes de mim se encontram e conversam com a mesma tranquilidade desde que me entendo por gente. Tanto faz se os assuntos são sérios ou não, torna-se prazeroso assistir estas conversas coerentes e, inevitavelmente, interessantes – o que é sempre genial.

Ao refletir um pouco sobre mim, não deixo de pensar da mesma forma em meu pai e minha mãe. E se ele está presente, ela também está – mesmo que os anjos tenham buscado pessoalmente minha mãe alguns anos atrás. Sou o que sou por um bocado de trabalho deles, e outro tanto de mim se formou em função de todo o resto. Ainda assim, isto me parece surpreendentemente genial.

Quando me encontro com meus primos, distantes ou próximos, compreendo que certas ligações sociais vão além de laços de sangue e, não por acaso (ou, talvez, um pouco ao acaso), isto tem mais a ver com as oportunidades de estarmos nalgum convívio gentil, no qual a troca de experiências nos revela algo genial.

Alguns de meus melhores amigos e amigas tem características tão singulares que me parece absurdo alguém não perceber suas virtudes de imediato. Sempre digo que, provavelmente, eu não seria amigo de mim mesmo caso pudesse me conhecer sendo outra pessoa. Entretanto, certamente faria os mesmos amigos e amigas que conquistei (e que me conquistaram) não importa o tempo nem o espaço. Tenho amigas que investigam as coisas e nos revelam o que nos é necessário; tenho amigos questionadores que fazem da crítica (das pessoas, da história, do mundo) algo mais que um mero aborrecimento; e como há gente genial.

Mas genial mesmo é viver um pouquinho que seja ao lado de cada uma destas pessoas que compõem minha própria rede sentimental. Todas estas personagens reais e geniais merecem este pequeno tributo e muito, muito mais.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 24/05/2012.

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Jornalista. Escritor. Leitor. Espectador. Algumas passagens da minha trajetória: Em 1998, fui Diretor de Imprensa do grêmio estudantil da Escola Técnica Federal de Santa Catarina (Florianópolis/SC). Entre 2001 e 2005, editei o fanzine JornalSIN na UNISUL (Palhoça/SC). No mesmo período, editei a seção de Literatura do portal cultural www.sarcastico.com.br (Florianópolis/SC). Realizei a cobertura crítica do Fórum Social Mundial (em Porto Alegre/RS) nos anos de 2002, 2003, 2005 e 2010 para o site www.sarcastico.com.br. Em 2002, atuei como cronista de cinema e editor de Cultura do Jornal Mercosul (Florianópolis/SC). Em 2004, publiquei o livro "Caderno Amarelo de Poesias". Entre 2005 e 2006, atuei na área se assessoria de imprensa na Exato Segundo Produções – tendo como clientes a Banda Os Chefes, o Fundo Municipal de Cinema de Florianópolis, Catavídeo – Mostra de Vídeos Catarinenses, além de diversas produções audiovisuais. Em 2008, fui um dos vencedores do 6º Concurso Literário Conto e Poesia realizado pelo Sinergia - com a poesia "Nova Iorque em Vermelho". Em 2011, fui um dos vencedores do 7º Concurso Literário Conto e Poesia realizado pelo Sinergia - com a poesia "Soldado sem sentido" e com o conto "Velhos corações imaturos". Entre 2013 e 2015, fui editor-chefe do Jornal Independente (Biguaçu/SC). De 30/04/2009 a 10/08/2017, fui cronista semanal do jornal Notícias do Dia (Florianópolis/SC). Desde 2016, sou um dos fundadores e cronistas do site www.centopeia.info. Escrevo constantemente para meu blog www.cronicasdoevandro.wordpress.com e atualizo o perfil do instagram @cronicasdoevandro.

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