Portal do Paraíso


Porque é data simbólica de Florianópolis, convêm estas mal traçadas sobre alguns aspectos destes 284 anos. O aniversário de uma cidade, por mais que a data seja escolhida à sua própria revelia (posto que um lugar não surge, apenas é), pressupõe comemorações e outros badulaques festivos. E, assim, perguntamo-nos quem baterá palmas à cidade que ora se apresenta? Certamente, alguns ingênuos fascinados por um progresso desordeiro – e alguém presta atenção nos dizeres da bandeira verde-amarela? Também aplaudiram aqueles poucos inconsequentes monetários, desses que se fazem de vítima das circunstâncias, mas são essencialmente os motivadores das mesmas. E ainda ouviremos palmas de políticos desinteressados com a urbe, acompanhados de seus seguidores intempestivos e incompetentes.

Não é preciso bolo ou 284 velas, sabem-no muito bem aqueles que chegam à Ilha pela congestionada Via Expressa, qual fosse um Portal do Paraíso em propaganda enganosa. O que se apresenta ao visitante ou ao morador que retorna ao lar através da ponte Pedro Ivo Campos, última a ser construída ainda no século XX, é o deslumbre em forma de concreto – ao qual podemos chamar de exploração imobiliária. Exploração, sim, qual faziam aqueles portugueses que, nos idos de 1500 e depois, estavam preocupados apenas em sugar a matéria-prima da então Terra de Santa Cruz. Os conquistadores da pós-modernidade, porém, sabem utilizar melhor os métodos de contaminação das mentes, o que torna o deslumbre ainda mais perigoso. Afinal, a capital do estado esqueceu-se de algumas lições básicas e optou pelo caminho das vaidades reprimidas, de um querer ser grande sem que, antes, procure ser inteiro, como naquele poema de Ricardo Reis/Fernando Pessoa. E se a tua lua alta não lhe iluminar, não procure minimizar os problemas com falsas ilusões que hão de acabar em nada ou, quando muito, em um dos aterros que tanto caracterizam a região central de Florianópolis.

Se há o que comemorar, então deve ser tudo aquilo que ainda não foi feito neste pedacinho de terra, neste Paraíso que nem chegou a ser.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 25/03/2010.

Como se diz?


Sabe uma daquelas histórias que você viveu quando criança, mas que, com o passar do tempo, ficaram ainda mais interessantes? Pois esta é uma delas. E a cena ainda é muito divertida para minhas recordações.

Deveria ser um dia de semana normal, hora do almoço. Meu pai havia contratado um pedreiro para fazer um serviço qualquer lá em casa (passando o morro, antes de ir pra Lagoa, primeira à direita, quinta construção, grades de ferro, fácil de encontrar). O sujeito era de uma simplicidade que só vendo. Pouco vocabulário, mas muita experiência de vida. Magro, a barba por fazer e muito trabalhador. Um tipo curioso, por assim dizer.

Após o serviço, eis que chega a hora em que as barrigas têm sua chance de ficar ainda maiores: 12:00 e o almoço é posto na mesa. Eis, pois, que o episódio começou de fato a se registrar na pequena história do cotidiano (do meu cotidiano, para ser mais exato).

Eu, meu irmão, meu pai e o pedreiro estávamos sentados à mesa. Então, não sei se meu pai ou o pedreiro, um dos dois resolve puxar assunto. De repente, não mais que de repente, pouco após o início da conversa, surge o primeiro “como se diz”. “Como se diz, a gente trabalha bastante”, falou o pedreiro. Na verdade, não sei bem o que ele disse, mas o que importava não eram as frases em si, e sim o “como se diz” que as antecediam.

Uma, duas, todas as vezes que abria a boca, lá estava o “como se diz” de companheiro. Meu irmão e eu já não aguentávamos mais. Sabíamos que a qualquer momento um de nós cairia na gargalhada. Mesmo assim continuamos firmes. “Como se diz, me passa o prato”. E nós dois ali, olhando para baixo e segurando o riso.

Assim, nesta vontade desenfreada pelo riso, chega o momento culminante. E tudo por culpa do meu pai. Sim, numa de suas frases, talvez para se aproximar mais do estilo de falar do pedreiro, um “como se diz” é dito por ele. Ah, aí era demais. Até meu pai!?

Meu irmão e eu rimos como nunca, e o pedreiro sem entender o porquê. Como se diz, tem umas histórias que a gente nunca esquece.