Do que me lembro, entrei numa loja de livros usados pela primeira vez aos 15 ou 16 anos, ali pelo finalzinho do século XX. Foi um colega de escola que me apresentou o lugar e, pouco antes, revelou um nome até então desconhecido: sebo. Dali em diante, nunca mais deixei de frequentar o estabelecimento – que já mudou de local algumas vezes ao longo destes mais de 20 anos.
A fascinação que começara pelas histórias em quadrinhos logo migrou para os livros. Comprei algumas centenas, troquei outros tantos. Li vários; muitos mal folheei. Tenho apreço pela coleção que fiz, talvez a única que me acompanhou ao longo de décadas. Quando criança, tive uma ou outra coleção que terminava pouquíssimo tempo após o início.
Ao ter com os livros, fui cativado pelo aspecto físico de um objeto transcendental. Mesmo os volumes que ainda não li ou jamais lerei, mesmo estes têm qualquer coisa de relevante sobre mim. Revelam escolhas nunca tomadas à revelia. Cada aquisição parte de um processo meticuloso, calcado em situações extemporâneas, na quantidade de recursos disponíveis e nalguma necessidade de contato próximo.
Colecionar conhecimento é um processo tão antigo quanto as primeiras civilizações. A famosa Biblioteca de Alexandria, devidamente estabelecida no século III a.C., pode ter abrigado entre 30 mil e 700 mil volumes literários, acadêmicos e religiosos. Atualmente, a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos é a maior do mundo: o acervo do local é estimado em 155 milhões de itens, entre livros, manuscritos e outros suportes. Ainda assim, é possível se perder na imaginação quando nos lembramos dos mais de sete bilhões de habitantes do planeta: que coleções se escondem em estantes residenciais organizadas com disciplina e inseticida antitraça? Quantos frequentadores anônimos de sebos pelo mundo guardam pequenas joias das ciências, das artes, da história?
No século XV, Johannes Gutenberg, inventou a máquina de impressão em tipos móveis. Nasciam ali as bases para uma nova maneira de guardar o conhecimento que vigorou soberana até o novo salto tecnológico proporcionado pelo armazenamento digital. Logo, Gutenberg é o padrinho informal de todo colecionador de livros físicos. O inventor alemão tem seu nome sussurrado a cada nova ida ao sebo. Alguns escutam com clareza, outros pensam se tratar de um zumbido de um mosquito; mas ninguém presta atenção no fato porque é preciso ampliar a coleção.