Árvore de Natal


Porque considerava qualquer poesia uma singela união entre a paixão desmedida e o desejo contido, assim a menina escreveu ao Papai Noel. Não fazia ali um típico pedido de criança, destes que ora pendem para uma bicicleta, ora para uma boneca. Pelo contrário, acreditava sinceramente que o Natal era uma época de presentes coletivos, ocasião propícia para deixar de lado o individualismo consumista no qual a data havia se transformado desde que o velho barbudo tomou o lugar do judeu que não foi compreendido e acabou pregado numa cruz. Mas não, não era contra o Papai Noel e, sim, entendia perfeitamente o quão importante era a sincronia entre o sagrado e o profano.

Entrementes, a menina colocou na carta os versos mais belos que uma criança jamais escreveu. Dizia no papel que já não queria mais a destruição de seu mundo e, se o Papai Noel pudesse lhe dar um único presente, que ao menos preservasse todas as árvores da Terra.

Quando o Papai Noel recebeu a carta, não conseguiu evitar um sorriso de tristeza porque, pela primeira vez, uma criança lhe pedia algo que seria muito difícil de entregar. Até mesmo porque a própria carta da menina era feita de papel, e o papel viera de uma árvore que, um dia, protegeu alguém.

O menino não sabia o que dar de presente ao pai naquele Natal que se aproximava. Primeiro, porque não possuía dinheiro para gastar. Segundo, porque para quem não tinha nada, tudo era importante. Como mensurar as necessidades básicas de uma família que vive na rua sob uma árvore? Pai e filho, sozinhos que eram, precisavam muito mais um do outro do que de qualquer outra coisa que o dinheiro pudesse comprar. E foi assim que o menino pensou em presentear ao pai com uma caixinha vazia.

Quando o menino entregou o seu presente, o pai abriu o embrulho cuidadosamente e viu que recebera uma caixa sem nada dentro; o filho lhe explicou que mesmo que o conteúdo não existisse fisicamente, a coisa mais valiosa do mundo para ele era a felicidade de compartilhar os momentos com seu pai. E o pai abraçou o filho com alguma tristeza porque, pela primeira vez, uma criança compreendia que o mundo não era tão justo quanto deveria.

Passado algum tempo, a caixa foi colocada num canto qualquer e o pai começou a utilizá-la como uma espécie de cofre, para guardar as moedas que recebia nas ruas.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 24 e 25/12/2009.

Dos verões de outrora


Estrangulada que só ela, a Florianópolis de hoje vive de passado nos corações e mentes daqueles que usufruíram os anos da ainda pacata capital catarinense. Assim, o tempo surge como o vilão mor, porque os dias idos já não são os mesmos. E a frase clichê que afirma o quanto “éramos felizes e não sabíamos” dá conta dos erros que o mal chamado progresso impôs à Ilha e suas adjacências. Afinal, mares e campos, como aquele título do livro de Othon d’Eça, sofreram as alterações humanas que vão desde ao impoluto mar das praias do Norte à invasão de ecossistemas milenares como os manguezais do Itacorubi e Santa Mônica, para ficar em apenas dois exemplos.

Àquelas pessoas que viveram os verões de outrora, convém reviver memórias ou relembrar casos e ocasos como aqueles registrados no livro de Ricardo Medeiros, intitulado “No tempo da sessão das moças” (Insular, 2009). Doutor em rádio e professor de jornalismo, Medeiros fica atento às repercussões. Uma minissaia, uma sessão de cinema ou um baile de gala ocorrido em outros carnavais, principalmente naqueles da década de 1960, são os motivos que levam autor e leitor a olhar para trás com certa saudade, mas mantendo algum encantamento nos processos transitórios, ainda que não sejam necessárias comparações para com o mundo atual.

O que se perdeu física e emocionalmente também são os elementos que compõe esta cidade que não sabe se é ou se um dia será. Dos cinemas de bairro (Ritz, Roxy, São José…), passando pelos jornais (Diário da Tarde, A Gazeta, O Estado…), e chegando às edificações que se foram (Miramar, Hotel La Porta…), a memória urbana se apresenta como uma espécie de fotografia de essência, porque as saudades e as cidades são duas faces daquilo que todos os cidadãos carregam consigo, tendo consciência ou não desta simbiose.

O livro de Ricardo Medeiros também pode ser um indicativo de que essa paixão pelo passado só faz algum sentido se inserida num contexto de discussão prática e de conversação sensível. Em outras palavras, perceber as sociabilidades de uma Florianópolis que só existe nas recordações é um exercício de cidadania, dignificando a existência de mulheres e homens que ainda tem apreço por este pedacinho de terra.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 10/12/2009.

Sorvete de casquinha


Exageros à parte, os dias quentes já não são tão aprazíveis como eram em séculos passados. Talvez, influenciados pelo ensino de história eurocentrista e, mais recentemente, pela indústria cultural estadunidense, fomos levados a acreditar em contos de neve, com dias brandos perto de grandes lagos refletindo o anil do céu. E, assim, o Papai Noel dos trópicos – ou próximo destes, como o é aquele do Paraná para baixo – tem de se refrescar com um sorvete de casquinha em pleno dia da semana, porque o Natal também vive de véspera, e o calor da estação não tem hora certa para chegar ou ir embora.

Diante de situações extremas, um beijo entre namorados fiéis (sim, eles existem) esquenta a relação e os corpos desejados na velocidade de um raio, mas que poderia durar tanto quanto o tempo que se leva ao andar de ônibus em Florianópolis. E carros malandros costumam parar ao lado das lotações no intuito de desfrutar uma sombra ligeira, dessas que, acompanhadas de um ventar providencial, proporcionam alívio imediato.

Entre a cidade e a praia, o que separa mulheres e homens da intimidade com o mar são as necessidades de um bem estar distinto do estar bem, além de aterros e mais aterros afiançados com um tantinho de masoquismo por conta das autoridades. Se as ondas causam tamanha distração, pouco úteis são para atrair atenção daqueles que mandam e desmandam, que tratam e retratam a dura realidade em fotos de seus subalternos. E os vapores das caldeiras das fábricas têm consigo a significação dos versos aquecidos: opúsculos de amores mal resolvidos e dívidas de jogos impressos em papel cor de fogo.

Daqueles dias gelados, quando o vento sul deixa o clima marcado na carne e na alma, tão somente ficou uma saudade estranha; prazer passado pedindo passagem para voltar à tona. E que ideia faz mais sentido em estações femininas como o verão e a primavera? Ora, ora, por que não deixar a sede de lado e assumir com toda a verdade dos olhos e da boca o prazer inexpugnável de um sorvete de casquinha?

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 03/12/2009.