Planos e regras


Fazer planos quase lembra seguir regras. Pelo menos, quando do contexto. Planos, porém, têm uma data de validade mais curta, mesmo os feitos a longo prazo. A dificuldade maior de um plano não é outra coisa que a própria vida; esse estranho percurso no qual se desenrola a existência. Alguns de meus amigos diziam que jamais teriam filhos do próprio sangue e que adotariam se a paternidade viesse bater à porta feito vontade indômita. Qual o quê! Acabaram sendo pais antes dos quarenta anos pela boa e velha reprodução natural. A vida interveio e os planos mudaram. E são grandes pais, por sinal. Entre um plano e outro, há alguma metodologia que nos escapa porque diz respeito ao entusiasmo de determinados momentos. Por isso, fica tão difícil poupar. Por isso, as viagens são adiadas. Por isso, o espermatozoide fecunda o óvulo. Regras tendem a perdurar até que sejam ultrapassadas. Planos se sustentam enquanto não há atrito; o movimento prossegue concomitante ao sorriso no rosto. Às vezes, tudo muda. Às vezes, não. Um mistério simples que o mais sábio dos sábios ainda não conseguiu desvendar.

Balanço contagiante


Para além de uma linha reta, o caminho mais curto entre duas pessoas pode ser a música. Como quando estou escrevendo esta crônica e, ali no lado (ou seria aqui mesmo?), um rock me embala, cadenciando meu pensamento. Nem é necessário qualquer palco; a sinestesia acontece ao acaso, entre uma batida e outra, remexendo o cérebro para valer… ainda que a cintura não saia do lugar. Porque surge com tamanha espontaneidade, talvez a música seja de fato a primeira forma de arte – e de expressão! A natureza, antes de nós seres musicais que somos, sempre foi repleta de ritmo. Da explosão cósmica ao movimento sistólico da chuva nos veios e veias da Terra. Cúmplices desde a origem primeira, som e música se confundem, qual o bebê que começa a falar em prosa poética. Eis a cor do som que deixa tudo ainda mais quente e pulsante, mesmo no vácuo do espaço infinito ou na geleira que se desprende incentivada pelo aquecimento global. Há beleza, tristeza e felicidade em cada chorinho musicado – e nada de confundir com o outro chorinho, rico e popular gênero de música brasileira surgido no Rio de Janeiro em meados do século XIX. As variações destas proximidades sensoriais são incontáveis. E é possível que até mesmo o silêncio seja musical, como comprova um bom livro. O balanço é contagiante em qualquer direção, principalmente na sua.

Sucesso fictício, fracasso ilusório


Nem tudo que parece é. Entre coisas tangíveis e outras meramente hipotéticas, há um lugar reservado para o sucesso porque este só faz confundir. Antes de tudo, como muitos outros itens elementares, o sucesso é uma construção. Não nasce da fotossíntese, tampouco se reproduz a partir de uma célula. É uma ideia que se pavimenta na cabeça de um ou de muitos. E ideias costumam desmoronar de tempos em tempos. O fracasso, revés imediato daquele envaidecido, parece mais concreto porque marca presença de modo acintoso. Já o sucesso, acredita-se, é ocasional; resultado de uma série de possibilidades que vingaram apesar dos contrários. Ação e consequência. Há aqueles que pretendem saber mais do mesmo, quase sempre enganando a si próprios com uma fictícia verdade. Sucesso e fracasso, quais sejam suas suscetibilidades, perpetuam-se na ilusão: o tolo correrá atrás do primeiro; o sábio não se importará com nenhum dos dois. Já o feliz nem saberá do que estou falando.

Um método para fazer o algoritmo de bobo


Os algoritmos estão por aí, como que ritmando tudo às claras, mas, e principalmente, também às escondidas. Seus gostos, suas opiniões, suas dúvidas… os algoritmos podem saber mais sobre você do que sua mãe ou sua própria percepção. Você pesquisa sobre uma banda de jazz no site de busca e, se bobear, passará o mês inteiro ouvindo bebop e estilos afins. Você define alguns interesses para seguir nas redes sociais e, sem demora, surge uma avalanche de sugestões do que fazer, para onde ir, o que consumir. E por aí vai, incluindo possíveis inclinações políticas (“que tal votar neste sorridente candidato aqui que compartilha de suas causas?”) ou mesmo criminosas (seu histórico médico e suas compras online podem te culpar por hipótese). Lutar contra isso é tão eficaz quanto quem passa as férias numa praia em Mercúrio ou Vênus e usa protetor solar. Ainda assim, é possível fugir dos algoritmos por meio do inesperado. Para quem curte rock’n’roll, conhecer um pouco mais de Mozart ou Beethoven não fará mal algum. Adora romances açucarados com finais tristes? Nada como uma leitura sobre viagens no tempo ou sobre a evolução das espécies. Pode parecer óbvio porque o é: o inesperado reorganiza o cérebro, abre janelas que estavam trancadas e portas outrora escondidas pelo mais do mesmo. De certo modo, vale a pena apostar na disritmia, fazendo o algoritmo de bobo. O livre arbítrio é legal demais para ser deixado de lado.