Infinito desconhecido


Podemos ser muito além do que fica, ainda que não exista uma evidência definitiva; porque de definitivo também nada sabemos. De qualquer modo, um laço comum entre todos aqueles que vivem parece ser a morte. Outros laços ficam ocultos no vastíssimo conhecimento que nos foge, mas a morte compreende uma dimensão singular porque trata do que foi e não do que será. Inevitavelmente, sentimos a perda de uma vida próxima porque carregamos uma história que até então compartilhávamos. Os relacionamentos modificam o sentido que damos às coisas e a nós mesmos. Não é necessariamente um futuro de ausências que nos entristece, mas a certeza de um ponto final no passado até aqui. São as lembranças que aumentam a dor, não a impossibilidade da convivência posterior. Afinal, viemos munidos desta percepção da realidade chamada sentimento. Passaremos por isso como o fizeram todos antes de nós; e então, desapareceremos ansiosos para que o infinito desconhecido traga qualquer resposta.

Conspiração universal


O universo conspira, avaliam alguns narradores. Se tal assertiva for verdadeira, damos com um universo menos poderoso do que aparenta. Só conspira quem almeja um poder que não detém. A humanidade, invariavelmente, busca o entendimento do cosmos como se dele não tivesse lugar cativo. No âmbito da própria espécie, somos todos algozes e vítimas. E ainda conspiramos na mesma proporção do universo. Qualquer coisa só é coisa pelo conjunto de suas partes. Retirada uma parte, a coisa primeira se transforma numa segunda coisa; e já não é mais o que era. Com o universo, o todo é sempre uno. As partes serão um conjunto para sempre, qual um absoluto indissolúvel. Daí que a possível conspiração universal venha presa ao tempo eterno. Sem início ou fim, a existência do cosmos não tem reveses conhecidos. Eis, de novo e novamente, o absoluto fazendo das suas ante os corações assomados de alguns humanos nada humildes. Não deixa de ser uma hipótese divertida: conspirar contra ou a favor supõe a relevância de nossa espécie e faz valer a pena esta luta sem fim para ser feliz.

Dívidas de sangue


Eles querem o meu sangue e, como não fosse o suficiente, também exigem de mim o endividamento. Dívidas são cápsulas temporais que aprisionam o futuro. Paga-se dinheiro em troca do tempo; eles bem o sabem. E eles ainda serão os mesmos? Sim, esteja ciente disso. Podem nomeá-los de elite ou de quaisquer jocosidades similares. Batem à porta de nossos lares cobrando de volta o que nunca foi deles. Porquanto meu sangue lhes terá pouca serventia. Nunca foi azul e tampouco recebeu cortejos dos coletores de impostos. Diversões triviais vendidas em revistinhas pulp. Apesar de ficção barata, minhas historietas não passavam vergonha no banco literário. E quem me bancará contra a concorrência? Sou aquela personagem recorrente que diverte o público a partir de aventuras malfadadas. Releituras e reescritos se convertem em dados algorítmicos no meu diário de dilemas. E não almejo perder a razão antes do vencimento da prestação seguinte. O anacronismo das famílias reais, atualmente, inverte o sentido de nobreza. Eles querem se isolar de nós fazendo pouco ou nenhum alarde midiático. Atrás das câmeras, porém, trabalhamos ouvindo suas aspirações excludentes. Entre as cenas, ocupam os espaços que outrora pertenciam às sombras. Qual o quê!, o último de nós vai acender a luz e os cegar com a realidade.

Há paixão!


Tem de haver paixão – ou não nos restará nada! Nenhuma brincadeira trará conforto, cometa algum atiçará o espírito. Feito um reator nuclear fora de controle e dançarinos no salão com medo de friccionar as coxas, roçar os peitos, colar as bochechas. Lugares lúgubres; ilustres ilusões. Até mesmo um Balzac baldio. Paris ocupada pelo exército alemão; Verona pranteando o luto dos jovens amantes. Neruda negando o general-presidente no leito derradeiro. A tristeza mais triste vive no desgosto do poeta. Chernobyl com seu parque de diversões radioativo; o Titanic devorado por bactérias subaquáticas. Feito aquele eclipse oculto pelas nuvens ou o Césio-137 abandonado em Goiânia. Os esquecidos, os marginalizados e aqueles que não sabem da paixão fenecem primeiro. Lisboa abalada com a terra vacilando e o mar avançando em ondas gigantes; Casablanca sem a Marselhesa cantada pela resistência no café do Rick. Joyce que jamais conheceu Odisseu. Tem de haver paixão – ou ganharemos com louvor o diploma na formatura dos zumbis.

Companheira passiva


A passividade ajuíza a alma, como a consciência à ação. Iconoclastas se calam ante a beleza do insólito ou mesmo do engodo. O que a memória guarda sobre si ajuda na compreensão do titubeio. Ah, parcimoniosa dúvida a motivar as mais elementares e místicas facetas da filosofia! Não será preciso alardear a inércia, mas, sim, locupletar-se com a espera. Muito pode ser feito com pouco menos que nada. Vai de cada um se abster dos atos e de seus efeitos. Fatos não são definitivos – talvez alguns dos quais não temos controle. Experimentar a passividade equivaleria a terraformar um planeta inóspito, mundo adverso onde até mesmo os verbos passivos seriam proibidos. O colonizado sabe de si à revelia do colonizador. Ninguém há de esquecer que a ordem natural também foi uma criação da consciência. Há conselho maior que aguardar o momento ideal? Mas e se o momento ideal passar? Ainda assim, a passividade vence novamente. Perder faz parte dos planos de modo indireto. Ao final, queremos tão somente uma companhia divertida para o descanso eterno.