Antes de tudo, um alerta para quem encontrou esse texto pelo título. Escreva o que você quiser. Eu, particularmente, acho que todo mundo pode escrever o que bem entender. Se estiver dentro da lei, toque adiante. Então, por que não escrever romances? Simples: romances exigem um mínimo de comprometimento para o qual, talvez, você não esteja preparado. Numa narrativa tão longa, é muito fácil se perder em contradições, furos de roteiro e personagens confusas ou mal construídas.
Entretanto, reitero: cada um sabe de si. Aceite o convite se assim o quiser. Aceitou? Então, vamos às novelas.
Claro, cabe um alerta inicial: estou falando aqui de novelas literárias, textos situados em tamanho e em estrutura entre os contos e os romances. Quem está pensando em novelas como aquelas das redes de televisão e dos serviços de streaming, lamento informar, caiu de paraquedas no meio do deserto. Não vai ter nada por aqui para quem ambiciona ser o próximo Dias Gomes ou a próxima Glória Perez. Então, novelistas e noveleiros, favor se dirigirem ao terminal de embarque.
Continua por aqui? Então preste atenção no início: o argumento. O motivo para uma novela pode ser quase nada, uma ideia miúda como aquela maçã que caiu na cabeça do Isaac Newton. Como escreveu Machado de Assis: “Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução, alguns dizem mesmo que assim é que a natureza compôs as suas espécies”. Definido o argumento, temos aí o sentido de escrever. Não importa se a ideia tem mais a ver com o começo, o meio ou o final da obra literária em si. É a faísca que acende a fogueira, seja de cima para baixo, seja da metade para o final. As chamas vão arder de qualquer maneira. Por isso, convém manter uma distância segura, para se aquecer e, ao mesmo tempo, não se queimar.
Trazemos a metáfora do fogo para a escrita: tenha intimidade com a história que você vai desenvolver. Se deseja falar de robôs que não existem, alienígenas ou monstros, ainda assim, recorra às situações com as quais você se relacionou ao longo da sua vida. Use os fatos vividos, presenciados ou observados à distância por meio de livros, filmes, histórias em quadrinhos, esculturas etecetera e tal. Essa bagagem vai embasar seu estilo. Se não fizer isso, existirá uma grande chance de você chegar ao final do escrito com uma trama vazia, cheia de intenções mal desenvolvidas, burocráticas e nada empáticas.
Escrever pode não ser tão prazeroso para a maioria – e quase nunca é mesmo. Em geral, os autores gostam de ter escrito, não necessariamente de estar escrevendo. Como avisei no início, escrever requer um mínimo de comprometimento. Mas, diferentemente do romance, sua novela pode se desenrolar sob uma atmosfera mais leve, até mesmo descompromissada. Nesse aspecto, novelas, contos e crônicas são como irmãs que assistiram as mesmas aulas.
Aqui, então, vai outra dica: não se arrisque em novelas se nunca escreveu contos ou crônicas. Veja bem, não é uma exigência ou um conselho, mas uma dica para se divertir com as palavras. Ninguém começa numa academia de ginástica com os halteres mais pesados. Deixe a preguiça minimamente de lado e escreva contos ou crônicas de uma única página. Com eles, você vai entender o escritor que já é. Quanto mais escrever, também pode descobrir o escritor que quer ser e que pode ser. Não adianta se espelhar em Shakespeare ou Dostoiévski sem nenhuma base para tal. Só poucos conseguem. Se você conseguir, tanto melhor. Se não conseguir, ainda assim pode escrever com a dignidade que cabe a todo artista.
Depois do argumento, pense em personagens passíveis de se envolver em problemas. Na vida real como na ficção, resolver ou não um problema tem a ver com a própria existência. É trivial, mas sobremaneira importante. Após o nascimento, vem o primeiro problema: a fome. E, logo em seguida, a solução: o alimento. Assim acontece para todo mundo. Os anos passam e os problemas só se amontoam. As personagens da sua história precisarão lidar com os problemas de um jeito que o leitor não perca o interesse pelo que virá a seguir. Se as personagens vão se sair bem ou mal, isso depende das características que elas receberam, das relações delas com as forças além do controle e, principalmente, do grau de empatia de você para com elas. O autor é onipotente, mesmo quando se deixa levar pela própria história. Por isso, aqui, mais uma dica: saiba para onde está indo. Alguns dos grandes autores só começam a desenvolver o argumento inicial se conhecem o final da trama. Talvez não seja necessário ter um desfecho detalhado antecipadamente; basta que o problema central da sua narrativa chegue a um ponto sem volta. Aquele momento em que você revela ao leitor, finalmente, porque precisou da companhia dele até ali. Podemos chamar isso de ponto-de-não-retorno ou de clímax. O que vier depois é apenas consequência.
E como tudo parece ter causa e consequência, uma história linear também lhe ajudará a não se perder durante a escrita. Claro, lembranças, flashbacks e afins surgem de quando em quando, mas isso não deve impedir você de manter a ação sempre em frente. As personagens podem ou não aprender algo ao longo da história; vai depender da sofisticação do caráter de cada uma. Mas, se a linearidade existir, elas devem obrigatoriamente estar em pontos distintos quando do início e do fim. Se não houver movimento, o nada deixa de ser uma possibilidade dramática (aquilo que chamamos de niilismo) e se transforma em mero tédio ou em expectativa frustrada. Dentro disso, podemos definir que os chamados clichês não são responsáveis por estragar o argumento inicial. Pelo contrário; se bem administrados, clichês transmitem uma sensação de verossimilhança e ajudam a compartilhar a intimidade entre leitor e autor. Afinal, lemos as variações das mesmas histórias desde sempre.
Por último, não se acanhe em mergulhar num universo só seu. A perda da dignidade autoral tem início quando aquilo que te orienta na escrita é agradar o seu hipotético leitor. Lide com as palavras como bem entender. Não facilite no vocabulário que você domina. Deixe fluir os parágrafos com a sinceridade que lhe é peculiar. Faça parágrafos longos ou curtos. Seja rebuscado ou coloquial. Escrever é ato solitário. Aproveite toda a liberdade de ser o único que existe à sua maneira e não tenha vergonha de utilizar as referências. Deixe que os outros se preocupem com o que é ou não é original em sua obra. Faça da sua verdade a única possível nesta história. E, evidentemente, não copie. A lei é clara e o plágio é crime.
As novelas, justamente porque situadas entre o conto e o romance, expandem um pouco mais os desejos sem invadir totalmente a catarse no horizonte. Escreva a sua novela e tenha a satisfação de ter feito o melhor que poderia.