Ajuste de Contas (2013), de Peter Segal


Entre erros crassos e acertos precisos como um soco, a saga de Rocky Balboa se tornou a mais famosa história de um boxeador nos cinemas. Jake LaMotta, por sua vez, foi um lutador verdadeiro que se tornou um ícone muito mais pelo filme sobre sua vida do que pela sua carreira dentro e fora dos ringues. De modo que unir numa mesma produção os intérpretes destas duas narrativas se torna tão difícil quanto disputar um round nos velhos e bons tempos de Sylvester Stallone (Balboa) e Robert DeNiro (LaMotta). Eis o desafio que o diretor Peter Segal assumiu para si neste Ajuste de Contas (2013), produção que une pela segunda vez dois dos mais interessantes atores que apareceram no cinema estadunidense durante a década de 1970.

Com uma carreira calcada na comédia, Segal possui trabalhos hilariantes como Corra que a Polícia Vem Aí 33 1/3 – O Insulto Final (1994) e Tratamento de Choque (2003), que se garantem muito mais pelo talento de atores como Jack Nicholson e Leslie Nielsen do que pelas qualidades do diretor. Por outro lado, Peter também dirigiu filmes que saíram dos eixos como O Professor Aloprado 2 – A Familia Klump (2000) e Golpe Baixo (2005) – ambos optam pelo humor a qualquer custo, quando as grandes comédias nascem na oposição desta ideia.

E o que acontece com Ajuste de Contas? Uma situação singular, porém incômoda: o roteiro mistura com fragilidade o humor visual e o textual, ao mesmo tempo não sabe lidar com o legado construído por Balboa ou LaMotta – e DeNiro e Stallone também parecem não se esforçar muito em cena como os boxeadores aposentados Billy “The Kid” McDonnen e Henry “Razor” Sharp, respectivamente. O retorno de dois lutadores para uma revanche após 30 anos acaba perdendo a relevância na falta de bons argumentos para ambas as personagens centrais. E os coadjuvantes de peso, como Kim Basinger e Alan Arkin, não conseguem trazer a leveza necessária para um possível confronto final espetacular que o enredo sugere desde o início.

Subir no ringue não é para qualquer um e Peter Segal foi nocauteado ali pelo terceiro round.

ajustecontas

A Vida Secreta de Walter Mitty (2013), de Ben Stiller


Como podemos determinar o que realmente é importante na vida de alguém? A segurança das coisas do dia a dia ou os riscos de viver no limite? Estas perguntas não são exatamente respondidas em A Vida Secreta de Walter Mitty (2013), no qual Ben Stiller assume a direção e o papel do protagonista. No entanto, não pense você que Stiller retoma aquela figura azarada vista em Quem Vai Ficar Com Mary? (1998), de Bobby e Peter Farrelly, ou em Entrando Numa Fria (2000), de Jay Roach. Estes filmes que lhe deram fama acabaram por lhe estigmatizar como um sujeito comum com pouco tato para lidar com situações adversas. Walter Mitty também é um sujeito sem jeito, mas a ansiedade para fazer rir de Stiller é deixada de lado tanto na direção menos exagerada quanto na interpretação mais contida. Qualidades, por sinal, que condizem com o trabalho de Walter: responsável pelo departamento de arquivo e revelação de fotografias da revista Life, às vésperas de publicar sua última edição impressa para se tornar uma empresa que atuará apenas no segmento online.

Para complicar as coisas – afinal, o filme precisa de uma trama –, pela primeira vez em seus 16 anos na revista, Mitty não encontra o negativo da fotografia que seria a capa da última edição. É hora de deixar sua zona de conforto e encontrar o fotógrafo-aventureiro (Sean Penn, numa ponta de luxo) para descobrir o que aconteceu com o negativo.
A busca pelo negativo, um objeto tão pequeno feito de um material de pouco valor, transforma-se numa procura pelas pequenas grandes coisas que, quando somadas, tornam-se a vida de cada um.

Mitty abandonou os sonhos de infância por uma necessidade de manter o foco numa carreira profissional. E por falar em foco, o diretor usa alguns truques com a lente da câmera para fazer valer a ideia de que manter-se distante de seus objetivos é o jeito mais rápido para perder a nitidez ao longo do caminho – ou repetir os erros pelo medo de tentar algo diferente.

A Vida Secreta de Walter Mitty conversa abertamente com Forrest Gump, o Contador de Histórias (1994), de Robert Zemeckis. Entretanto, a comparação entre um e outro se desfaz na origem dos dramas de cada indivíduo: Forrest Gump (Tom Hanks) permanece constante nas adversidades provocadas por quem não o entende; Walter Mitty assume para si uma dor que escolheu sentir logo após a morte do pai, quando estava de malas prontas para a Europa – plano adiado e, até então, jamais realizado.

Todos nós já tivemos momentos nos quais sonhamos acordados, vislumbrando um futuro com feitos importantes e experimentando paixões arrebatadoras. Talvez aí resida a empatia que temos tanto para com Mitty quanto para com o filme de Stiller. Porque as comédias também podem se apoiar no pesar. Porque quem decide o que realmente importa é aquele que se arrisca ao criar.

waltermitty

2012 (2009), de Roland Emmerich


Falta Shakespeare nos filmes de Roland Emmerich quase na mesma medida em que sobram efeitos especiais de destruição – mesmo que o diretor tenha feito um filme sobre o bardo, o sofrível Anônimo (2011). Se o filão do cinema-catástrofe foi redescoberto pelo próprio Emmerich em Independence Day (1996), após este 2012 (2009), o cineasta deve rever alguns conceitos centrais que, de um jeito ou de outro, tornavam suas produções interessantes. Cineasta icônico, Emmerich perde a mão na direção de 2012 por tomar o difícil caminho dos múltiplos temas. Assim, temos questões parcialmente debatidas em todos os pontos, como acontece com a política internacional (uma colaboração entre países em tom de “reunião de amigos”) ou com a filosofia clássica que vai do “conheça-te a ti mesmo”, passa pelo “ser ou não ser” e culmina num pseudodarwinismo que ligeiramente lembra Jean-Jacques Rousseau. Mas o principal é que falta Shakespeare em 2012 mais do que em qualquer outro filme do diretor. Mesmo se Roland Emmerich quisesse mostrar a fragilidade do homem se comparado à “madrasta” natureza, as lentes do diretor não se preocuparam nem mesmo em tornar suas personagens vítimas das circunstâncias. Também é por isso que o mundo inteiro vai abaixo sem que se tenha noção do que a humanidade está de fato sentindo. E se o cinema não está ali para mostrar “o outro”, então de que adianta comprar o ingresso?

2012semshakespeare

O Dia Depois de Amanhã (2004), de Roland Emmerich


Existe uma brincadeira interessante no roteiro do filme O Dia Depois de Amanhã (2004). Trata-se da participação dos países de Terceiro Mundo, quando todo o Norte do globo é coberto por uma nova era glacial. Aos Estados Unidos, que não assinam acordo nenhum em se tratando de preservação ambiental, não resta outra opção que não seja descer às terras do México – mas o país, a princípio, tenta evitar a entrada de tantos refugiados. Assim, o presidente americano faz um acordo perdoando a dívida de todos os países de terceiro mundo (veja bem, de todos e não apenas do México) e o país dos mariachis permite que os expatriados pelo frio fiquem em terras aquecidas. O horror social de todo o filme não está na morte de milhões de pessoas que não tiveram tempo de sair, mas justamente no fato da política mexicana se assemelhar às dos países ricos na hora em que vidas humanas estão em jogo. Evidentemente, o espectador atento e bem informado não entenderá isto como uma ofensa ao México – ‘inda mais por se tratar de uma produção estadunidense. Pelo contrário, é uma autocrítica à política praticada pelas nações ditas desenvolvidas para com o resto do globo inferior – partindo, claro, desta visão eurocentrista que desenhou o Velho Mundo no Norte, “acima dos outros povos”, e não foi por acaso, já que o mapa-múndi é invenção humana. Ah, também vale comentar o momento em que um intelectual e defensor de Nietzsche salva uma bíblia de Gutenberg do fogo, pois quer guardar uma parte significativa da história humana. Só mesmo num dia depois do amanhã para um fã de Nietzsche fazer isso.

diadepois