Alguma conveniência há quando dos desejos de Natal. Que qualquer alma pode sonhar com um presente que lhe realize, todos concordamos. Sonhar não custa e tampouco deve ser deixado de lado. A questão que coloco em pauta é a falta de sintonia destes desejos para com o dia a dia – porque é no cotidiano que as profecias se cumprem independentemente do tempo.
Presentes aparecem como soluções, quando são, na grande maioria das vezes, invenções de felicidade. Como aquelas pílulas que lhes permitem dormir. Imberbes, imaginam-se em possantes motos ou automóveis porque pode haver alegria no pedal de aceleração. Neófitas, esquecem dos dissabores que se lhes acompanha na adolescência e logo querem responder por sua independência financeira e emocional. Em ambos os casos, uma realidade paralela faz parte de desejos que se locupletam apenas em certa medida. Aquele distanciamento de um viver com os outros ainda existe, apesar da materialidade dizer o contrário.
Um desejo de Natal tem muitas origens. Alguns nascem por necessidade; Outros, por vaidade. Mas os que realmente causam desconforto são aqueles que não correspondem à intimidade da troca – esse ir e vir de ideias, sentimentos e descobertas que faz de um humano aquilo que ele escolheu ser. Mesmo que pareça sem sentido, ainda mais para uma sociedade consumista e individual, a experiência entre as pessoas se desnuda como a única razão incompreendida. Falamos aqui, sim, daquela felicidade que muitos chamam de utopia, porque ninguém parece ser capaz de alcançá-la durante a própria existência.
Para a experiência de uma vida ser completa, não podemos aceitar as concessões que nos corrompem, mesmo que numa escala diminuta. Erros podem ser pormenorizados somente em caso de uma dívida para com o perdão. Nesses momentos, os pedidos são atendidos sem julgamentos ou falsas argumentações. Esta aproximação com a realidade possível é, também, um passo essencial em direção à felicidade diária. Daí teremos que problemas serão unicamente problemas – nem bons ou trágicos, nem grandes ou miúdos, nem importantes ou irrelevantes. Resolvidos ou não, seguimos adiante com a certeza de antes: desejos têm de valer a pena.
Para este Natal, não ouso fazer desejos pessoais porque me parece irracional olhar para si mesmo como unidade. Mas também não cairei naquela vaga noção de amar a humanidade sem entender o significado dessa ousadia. Desejo, sim, que os desejos ganhem a forma do tempo, desmentindo as profecias em favor de uma causa muito, mas muito maior.
> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 24/12/2015.