Enciclopédia de Vinhos (1993), de Luciano Pires


Aquele livro indispensável quando você está escrevendo uma ficção sobre um personagem sofisticado e não deseja fazê-lo passar pela história bebendo apenas cerveja ou uísque com energético. Neste capítulo, por exemplo, ele está compartilhando um Fendant (os melhores vinhos do Valais, na Suíça, feitos com uvas Fendant, variedade do Chasselas) com a possível vilã. E a trama se complica quando alguém derruba uma taça de Bardolino (vinho tinto proveniente dos vinhedos que se estendem entre Verona e o lago de Garda, na Itália) sobre a carta que continha as instruções finais do marajá. Para ler à vontade e beber com moderação.

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Shakespeare: o autor predileto


Ter um autor predileto não é colocá-lo acima dos demais, mas antes. Aquela fonte segura que lhe aparece nos momentos mais oportunos. Às vezes, você cita o autor ou a autora porque só aquilo lhe fará algum sentido. Ou não fará sentido algum. William Shakespeare já avisou por meio de uma personagem: “A vida não passa de uma história cheia de som e fúria contada por um louco significando nada“. Crer ou não crer nessa ideia é uma questão que a cada um convém responder se assim lhe aprouver. Desta feita que o próprio poeta de Stratford-upon-Avon seja meu autor predileto. Particularmente, sinto-me contemporâneo de suas peças, ainda que escritas séculos distantes e em paisagens tão longínquas que separadas por um Atlântico! Foi com uma edição adaptada de sua peça A Midsummer Night’s Dream, mal traduzida por Sonho de Uma Noite de Verão, que tive meu despertar para com a literatura e, principalmente, para com os livros. Era, então, apenas um adolescente que gostava de cinema e jogar futebol. Aos poucos, entrementes, as palavras escritas tomaram o lugar da bola, mas deixando um bom espaço para os filmes. Logo, rendo também uma homenagem ao autor de Hamlet e de outras dezenas de peças neste 23 de abril, Dia Internacional do Livro. A data comemorativa foi estabelecida por ser a mesma do passamento do bardo, bem como o de Miguel de Cervantes – ainda que, possivelmente, nenhum dos dois tenha deixado a vida neste dia. Shakespeare estava aqui antes de nós e por aqui continuará depois que nós partimos. E parece justo que seja assim.

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Memórias da princesa: Os diários de Carrie Fisher (2016)


Diferente do Oscar, o Grammy não se transformou numa cerimônia esperada anualmente em todo o globo. Mesmo que a música tenha um apelo muito mais imediato do que o cinema, as singularidades dos grandes filmes ultrapassam a rapidez de uma canção. Não me entendem mal; não estou fazendo qualquer comparação entre duas formas de arte – seria como afirmar que um filme baseado num romance perde todas as nuances da leitura. Fazê-la seria pura e simples bobagem anacrônica, qual uma sinestesia que não sabe se é cheiro ou sabor porque foi atraída pela sonoridade da cor. Outra diferença entre as premiações tem a ver com a localização: o Oscar premia, quase sempre, produções que percorrem os cinemas de todo o mundo, enquanto boa parte do Grammy tem a ver com a música feita na América para o público estadunidense. Não é por acaso que alguns (ou a maioria) dos indicados e vencedores em categorias como “melhor álbum country” ou “melhor álbum vocal de jazz” são completos desconhecidos no Brasil e, possivelmente, também em outros países que consomem música norte-americana.

Entrementes, a 60ª Cerimônia Anual do Grammy Awards, realizada no dia 28/01/2018, contou com uma vencedora em especial que uniu os universos cinematográfico e musical de modo singular e quase discreto. A atriz Carrie Fisher venceu na categoria de “melhor álbum falado” com a versão em áudio de seu livro “Memórias da princesa: Os diários de Carrie Fisher“. Carrie faleceu em 2016, aos 60 anos, quando retomava o papel que lhe deu fama mundial na série de filmes Star Wars. No livro, a atriz expõe suas anotações da época em que participou das filmagens do primeiro capítulo da saga estelar. Assim, memórias de 1976 são apresentadas na forma de diário, enquanto as observações de uma atriz e escritora madura se mesclam num humor mordaz. Para além da revelação principal, o caso que teve naquele período com o parceiro de cena Harrison Ford, damos com uma interpretação crua sem ser cruel de quem viveu os dilemas da fama justamente naquele que é, talvez, o grande fenômeno do entretenimento no século XX.

Filha da atriz Debbie Reynolds (notadamente lembrada pelo musical Cantando na Chuva), Carrie Fisher ficou e ficará eternizada no imaginário coletivo como a Princesa Leia Organa. A personagem destemida e rebelde se revela fundamental na destruição da Estrela da Morte, a terrível arma de destruição em massa do Império Galático. Tanta responsabilidade, claro, tem seus efeitos colaterais. O papel da princesa jamais lhe permitiu outros sucessos no meio do cinema e ainda lhe relegou à participante frequente de eventos nerds, como Comic Cons e afins, porque ela tinha de pagar as próprias contas. Essas revelações décadas após o sucesso estrondoso dos três primeiros episódios de Star Wars contrastam com as anotações da jovem atriz, então com 20 anos, gravando apenas seu segundo filme, repleta de vigor e entusiasmo, envolvida num caso sabidamente passageiro com seu colega de trabalho. E este é o grande trunfo do livro: apresentar uma vida interessante, utilizando um fato incomum como motor principal daquelas experiências que, de um jeito ou de outro, acontecem com todo mundo.

Não li (ou ouvi) os demais indicados na categoria “melhor álbum falado”, mas sei da relevância de seus nomes: o astrofísco Neil deGrasse Tyson, o cantor Bruce Springsteen, a compositora Shelly Peiken e o político Bernie Sanders – todos vivos. A repentina morte de Carrie Fisher influenciou no resultado da premiação? Talvez. Mas esta é uma questão que parece não explicar muita coisa. A confluência das artes – literatura, cinema, música… – ainda é a atração principal. As histórias de gente comum são fascinantes por si só, sejam estas memórias de uma atriz ou de uma princesa.

Trecho do livro “Memórias da princesa: Os diários de Carrie Fisher”:
“Não consigo me lembrar bem de quando comecei a me referir a dar autógrafos por dinheiro como uma dança sensual das celebridades, mas tenho certeza de que não demorei muito para inventar isso. É dança erótica sem a parte de enfiar dinheiro na calcinha e sem os malabarismo no pole – ou o pole seria representado pela caneta? Certamente é a forma mais elaborada de prostituição: a troca de uma assinatura por dinheiro, em lugar de uma dança ou esfregação. Em vez de tirar a roupa, as celebridades tiram a distância criada por filmes ou pelo palco. Ambos trafegam na área da intimidade.”

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Commando: a autobiografia de Johnny Ramone (2012)


Commando: a autobiografia de Johnny Ramone não é exatamente uma biografia típica, cheia de contextos históricos – mas, sim, eles estão cá. O livro é um depoimento franco do músico sobre sua vida, com suas quase sempre ácidas opiniões sobre os arredores da banda Ramones. Quase como um soco dado por um amigo.

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Secos & Molhados, álbuns de 1973 e 1974


Na década de 1970, o rock’n’roll deixou de ser apenas diversão para se tornar comunhão. Até os Beatles sacaram que não dava para continuar no iê-iê-iê. A exaltação do piscodelismo, o refinamento do progressivo, o glitter exagerado do glam e muitas outras variáveis ajudaram a difundir (e confundir) o rock como ideia para além de si mesma. Não era só rebeldia juvenil; era vida transpirando, viagens sem destino à procura de uma essência. Ou nada disso. Pelo meio do caminho, a união dos talentos de João Ricardo (vocais, violão e harmônica), Ney Matogrosso (vocais) e Gérson Conrad (vocais e violão) retumbaria na deslumbrante Secos & Molhados, uma das bandas brasileiras mais influentes na história da música. E nem vamos entrar no mérito da pintura facial do grupo anteceder aquela da banda de rock (ou loja de produtos personalizados?!) chamada Kiss. Os álbuns de 1973 e 1974, ambos chamados apenas Secos & Molhados, são os únicos que incluem o trio original e trazem o vocal-líder insubstituível de Ney. Letras curtas e viciantes somadas às harmonias elaboradas prescreviam um outro rock nacional que poderia falar de tudo: da latinidade do sangue ao homem que vira lobisomem, das terríveis consequências da bomba de Hiroshima ao verme que passeia na lua cheia. Como o melhor do rock, não há limites. Secos & Molhados foram tão geniais – um fenômeno de vendas de discos – quanto efêmeros em sua formação clássica. Dois álbuns indispensáveis para quem curte rock’n’roll no Brasil ou em qualquer lugar do mundo.

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