O universo dentro de um globo


Um círculo que se fecha ou um labirinto sem começo. Quando se alargam as expectativas, fica ainda mais complicado enxergar o êxito disfarçado de saída. O lugar comum que volta e meia nos atrai sem jamais aparecer no mapa. Como não existisse fora das intenções de um demiurgo ou de um dramaturgo. O bardo recriou o universo dentro de um globo: a plateia sob a redoma e muitas indecisões em cena. O molhe de chaves está no alto da estante, dentro de um balde transparente, ao lado de um livro sobre um príncipe órfão. Há pressão por todos os lados. A força da gravidade permanece constante. Se a perseguição acabar, já não restarão mais razões para fugir. O descanso do escritor é realmente merecido? Com tantas portas nos afastando uns dos outros, os abraços diminuem gradualmente. Aquele silêncio que preenche o resto incomoda ainda por instantes adiante. A abstração concreta do pó se converte no círculo dentro do labirinto. Quero ouvir a versão de vocês.

Esperanças despreocupadas


Não é que eu não tenha mais esperança: apenas já não me preocupo mais com ela. Sei que alguns poderão assimilar tal decisão qual um fruto nascido da árvore do desânimo. E não ousarei refutá-los porque tudo está conectado. Teimo somente em direcionar as minhas conjecturas para uma solução menos rarefeita, mais próxima ao que sobrevive neste rés-do-chão. Valho-me da insistência por motivos pessoais que não cabem nesta narrativa crônica. Talvez alguém se frustre por acreditar que as respostas definitivas possam ser comprimidas em palavras – escritas ou faladas. Talvez a própria esperança se excite com tantas vãs tentativas de aprisioná-la numa caixa. E outras objeções que deixamos de registrar por excesso de informação. Uma ideia fixa se revigora a cada repetição bem sucedida: farsa, tragédia, drama, comédia… Só existe o conceito de problema porque fomos sagazes o suficiente para inventar o conceito de solução. Bem-aventurados nós que pulamos sobre as pedras soltas de um lago onde nadam as mais profundas preocupações.

O engano de não sentir dor


Após um choque, passamos a acreditar que a dor talvez não seja necessária. É um engano que perdura por alguns instantes. Se a emoção nunca foi boa conselheira, a tristeza sempre teve fama de má companheira. Entre impressões equivocadas, porém, encontramos na sutil arte do perdão a necessidade da dor para nos sabermos vivos. Não convém confundir tal apontamento com um elogio ao sofrer. A percepção da dor tende a expulsar o sofrimento do mesmo ambiente no qual as lágrimas tristes deságuam. Um exercício de paz e paciência. Eis uma nuança simples do saber viver. O despertar, porém, exige bastante de cada um. Este choque me transforma num maestro sem orquestra. Percussão, cordas e metais estão a passeio: a alma fora do corpo arrumando pretextos para se demorar mais um bocadinho. Nesta sinfonia dos ausentes, a dor é exaltada em notas agudas, enquanto a resiliência se fortalece com os tons mais graves. Vaivém de ir-e-vir: voltar a ser uma novidade traz conforto para quem tem a ambição de sorrir outra vez.

Ideia de piedade


Será que é mais o que se perde ou menos o que se deixa de ganhar? A privação da companhia antiga escapa ao cotidiano. Além do que somos, o que sobra? Os prejuízos viram argumentos sem sentido. Qualquer permanência usa para si um pouco de eternidade. Olha aquela centelha flutuando entre os espaços vazios das recordações! À luz da coerência, repetimos memórias e nostalgias porque os sentimentos exigem. A ideia de piedade vai adiante, claudicando no para sempre e até depois. Reentrâncias de uma micro-história, reencontros no microcosmo das relações pessoais. Família, amigos, toda sorte de companhias necessitando um pouco de compaixão nesta colisão com a perda. A viagem estancou na partida. Ainda vertemos lágrimas e orações; talvez também uns poucos pedidos de desculpas. Resiste a noção esdrúxula de que algumas certezas têm validade. Ninguém quer aparecer, mas se esconder nem pensar. Revolta porque não foi planejado. Saudade porque tão inevitável quanto as estrelas que se apagam na alvorada. Outra estrela desapareceu num céu que também era o meu. Aquele brilho de antes já não absorve nenhuma luz. Deve existir piedade na escuridão.