Gravidade (2013), de Alfonso Cuarón


Filmes como Gravidade, do diretor Alfonso Cuarón, projetam uma certeza de que o cinema nasceu da ciência para abraçar a arte. O exato nascimento desta sétima e última arte se dá pela benção da tecnologia. Antes da exibição, o cinema já existe na máquina. Assim como o conhecimento científico, as artes se completam através de um continuo exercício da técnica. E Gravidade é a excelência tecnológica do início ao fim.

Mas não me entendam exclusivamente pelo viés dos avanços visuais que o mundo digital legou ao cinema contemporâneo. Para fugir disso, reveja em sua coleção o trabalho de Stanley Kubrick em 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968). A ciência de um filme ambientado no espaço já estava completa lá. Mas Cuarón distancia-se do mundo épico e sensorial da obra sessentista. O diretor sintetiza a filosofia extemporânea numa situação mais do que concreta: continuar a existir. Essa constância de sua personagem central, a astronauta Ryan Stone (Sandra Bullock) também será a de seus planos, cenas e sequências indissociáveis. A poesia inevitável de uma película cósmica terá muito mais a ver com os limites do espaço ao redor do que com a infinitude do universo que se expande.

Se Alfonso Cuarón é um cineasta que contempla todas as possibilidades definindo sua arte pela técnica (ou seria o contrário?), essa mesma determinação está visível no trabalho de Sandra Bullock, tão excepcional e metódica como em A Casa do Lago (2006), de Alejandro Agresti.

Não há espaço para o solene em Gravidade: pois o tempo não faz apagar memórias. E na ausência das condições mínimas de sobrevivência, Stone (pedra, em inglês) cai com dignidade.

Afinal, se as leis da física são a favor da vida, mantendo o universo unido, também ao artista recai o peso de sua própria existência.

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Mad Max: Estrada da Fúria (2015), de George Miller


O futuro indefinido que se apresenta em Mad Max: Estrada da Fúria (2015), de George Miller, é um prolongamento natural dos dramas presentes, simbolizado pela escassez do petróleo e pela esterilização da terra. Estes dois temas estão tão intimamente ligados que é até mesmo uma tarefa quase impossível pensar num sem lembrar-se do outro.

Na película, estes são os ingredientes de um mundo apocalíptico no qual sobreviver é o grande exercício diário. E os sobreviventes estão por toda a parte, seja como súditos de líderes autoritários, ou como peregrinos que fazem da estrada a única companhia suportável – caso  de Max Rockatansky, personagem clássico que já foi interpretado por Mel Gibson entre 1979-85 e, então, assume os traços expressivos de Tom Hardy.

O diretor George Miller enaltece seu herói de longa data, pois que ele também esteve por trás das câmeras nos filmes estrelados por Gibson. Mas, desta vez, a história que arde no deserto tem uma protagonista com ainda mais impacto: a Imperatriz Furiosa que ganha beleza e técnica na quase sempre excelente atuação de Charlize Theron. Não se trata de uma personagem que rouba a cena; o filme é dela. Max e a Imperatriz são cúmplices dos mesmos sentimentos, ainda que tenham origens distintas. E o caminho da redenção é o único que importa, mesmo que a travessia seja dolorosa.

Não é por acaso que este seja um road movie muito mais essencial que seus antecessores Mad Max (1979), Mad Max 2: A Caçada Continua (1981) ou Mad Max – Além da Cúpula do Trovão (1985). Nesta Estrada da Fúria, os motoristas não pedem passagem porque todos sabem os riscos antes mesmo de começar.

Desde que Max entra no carro, logo na abertura, a narrativa acelera com o pé fundo de um diretor preciso em cada corte. Suas cenas trazem às telas um gênero de ação característico dos anos 1980, mas que ultrapassa os limites estabelecidos até então, muitos dos quais definidos pelo próprio Miller.

faroeste futurista de Mad Max é um saboroso deleite artístico e artesanal feito dentro de uma indústria cada vez mais banal. Loucos são os outros que não veem a beleza destes tempos furiosos.

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O Homem Leopardo (1943), de Jacques Tourneur


Gigantes de tão concisos, filmes como O Homem Leopardo (1943), de Jacques Tourneur, não raram se tornam clássicos e tendem a ter pouca repercussão no decorrer dos anos. Tal laivo antagônico teria o amparo do acaso para um diretor despretensioso. Não é o caso aqui. Tourneur traz consigo um controle acurado no que lhe é possível, garantindo a integridade tanto nos planos individuais quanto nos conjuntos. O controle reside na certeza de suas personagens, na sinceridade do roteiro que beira um ensaio científico sobre o crime – suas sementes e frutos. Até mesmo o estilo noir pode indicar o tamanho deste domínio cênico, quando luz e sombras são manipuladas sem se perder na facilidade do mundo colorido. E todas as falsas tramas paralelas são a história que deve ser contada. O leopardo-animal surge qual sintoma de um longo distúrbio a que se convencionou dar o taxativo de serial killer. Porque a sequência de assassinatos é a tendência do homem moderno – contemporâneo! – ao reencontrar o próprio passado bestial, tornando o fim justificável pelos meios. Tourneur não quer saber da evitabilidade das coisas; o imprescindível move sua câmera.

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Closer – Perto Demais (2004), de Mike Nichols


As pessoas amam a si mesmas, ainda que estejam apaixonadas por outras. Talvez seja essa a idiossincrasia mais evidente na narrativa de Closer – Perto Demais (2004), de Mike Nichols. O roteiro do filme, adaptado de um texto teatral, flana sobre algumas das mais características experiências cotidianas da sociedade ocidental neste início de século. A esperança, o medo, o sexo e o amor são apenas metáforas de seus desejos comezinhos.

São estranhos que se encontram, mas jamais se desnudam verdadeiramente um para outro. A mentira se insurge no âmago das relações amorosas. Alice (Natalie Portman) manipula a si mesma, como uma marionete consciente. Sai de Nova Iorque para cair em Londres na tentativa de esquecer alguém que já não ama. O profissional frustrado Dan (Jude Law), aquele que traz a culpa consigo e, sabendo-se culpado, faz disso um elemento de sustentação, claudica ao edificar uma base que suporte os defeitos com os quais não é capaz de lidar.

A fotógrafa americana Anna (Julia Roberts), por capricho ou por acaso, não se entende com os homens seja por falta de sorte, seja pelo desejo de um amor completo; mas amores completos são qualquer coisa de quebra-cabeça terminado: perde-se a graça ao final. Assim, lhe convém estar sempre à procura de um novo amor. E eis que o médico Larry (Clive Owen), um homem peculiarmente bruto e sincero, aparece numa dessas coincidências que o destino costuma reservar.

O tempo-texto flutua numa sequência de elipses ao longo de quatro anos… com o plano final distanciado num futuro próximo. De cena em cena, de tempo em tempo, os amores se consomem e se destroem; os casais trocados não tardam a se reencontrar. E a fragilidade de todos fica evidente: as mulheres nova-iorquinas se contentam com suas próprias mentiras; os homens londrinos conseguem o que querem da pior maneira.

Dan encontra a solidão a que, inevitavelmente, suas atitudes o levaram. Anna volta com Larry por não compreender a si mesma. Larry se mostra satisfeito em ter sua relação de volta, não importando o prejuízo de sentimentos que acarretará esse retorno impreciso. Alice, que nem mesmo tem esse nome, volta para a Grande Maçã na ânsia de apagar Londres de sua memória. Mas ela e os outros sabem que todo amor modifica uma pessoa e esse é o risco de estar perto demais. A desconhecida Jane Rachel Jones, acompanhada de outros tantos anônimos, caminha indiferente ao que aconteceu no meio da multidão, enquanto música The Blower’s Daughter, de Damien Rice, não deixa ninguém tirar os olhos e os ouvidos do que é mais importante.

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