Que ano!


Queria te deixar um registro brilhante ou, ao menos, emocionante. E, olha, muitos de nós tentamos fazer com que este ano desse certo. Mas parece não ter sido o suficiente. Talvez, com a distância do tempo, você consiga me ler com mais clareza do que eu possuo agora ao escrever tais mal traçadas. Saiba, no entanto, que não foi fácil passar pelo que passamos. Nunca é, eu bem sei. Só que existem momentos em que a cisão se torna mais evidente e tudo desaba porque nunca foi sólido de verdade. Ao menos, alguns de nós aprendemos.

Sentado, olhando a página vazia do computador, emerge a vontade de jogar tudo para o alto. E, bem, não vou negar que sou tão humano quanto qualquer outro de nós. Os erros se aplicam a mim como aos demais. Por isso, seja gentil ao me julgar em sua perspectiva. Lembre-se: você já é o futuro, enquanto eu sou o passado. O melhor passado que conseguimos. O único passado possível. Pondero um pouquinho mais e decido permanecer aqui mesmo. Terminar esta crônica porque sei que você aí merece uma chance. E sempre desejarei tudo de bom para você e para os seus. Teu tempo tem tudo para ser ainda mais interessante do que o meu; mais prazeroso até. As crises do seu período, possivelmente, terão outras soluções – sendo que algumas delas nós aqui do passado sequer pensamos em executar.

Na essência mais trivial, foi um ano estranho. Por vezes, soou mudo e teve cores insalubres. Divergimos tanto politicamente que ninguém teve tempo para seguir adiante. Sim, os protocolos políticos foram utilizados à revelia porque os corruptos entendiam de se proteger. Ah, e como eles passaram por cima da lei. Fizeram da justiça qualquer coisa semelhante a um bobo do corte (ou do Congresso, no caso). E a Dona Justiça continuou com a venda nos olhos, fingindo não ver que vivia num mundo imperfeito. Quem não cedeu se deu mal. Não obstante, ainda perdemos gente de toda sorte: Ídolos do esporte, das artes, do pensamento… nos deixaram sem dizer adeus.

Você verá os fatos nos livros de história e poderá repetir comigo num uníssono atemporal: “Que ano!”. E, assim, concordaremos que deste legado atual só nos sobrou a falta do que passou.

> Crônica publicada no jornal Notícias do Dia em 29/12/2016.


Um jazzinho daqueles divertidos embalando o ambiente, um ator comandando o palco. No que poderia ser um típico clube nova-iorquino, surge um programa de televisão pautado pelo dinamismo de seus convidados e, evidentemente, pela habilidade de seu apresentador para o entretenimento.

Jô Soares é um daqueles personagens da cultura popular que se confundem com os momentos da história brasileira. E confundem mesmo, já que a trajetória do apresentador / cronista / humorista / ator / etc é tão cheia de zigue-zagues que deixaria qualquer um tonto. De escada para o genial Ronald Golias em Família Trapo ao consagrado apresentador de TV e escritor, Jô percorreu um caminho de poucos. Na área do humor, talvez só perca em reconhecimento para o saudoso Chico Anysio – ainda que perca bem de longe.

O talento de comediante, todos sabemos, fora consagrado em clássicos da televisão, como Faça Humor, Não Faça Guerra, Planeta dos Homens e Viva o Gordo. No entanto, seu prestígio de personalidade e intelectual viria somente com o programa Jô Soares Onze e Meia, na emissora de Silvio Santos. Foi a partir dali que Jô pôde escolher exatamente o que fazer e à sua maneira. Trouxe o formato de talk show, até então uma novidade para a TV aberta brasileira, o qual se adaptou com exatidão à sua veia cômica. Seus conhecimentos culturais só reforçaram a qualidade de suas entrevistas, mesmo que muitas soem apenas como bate-papos descompromissados.

Como convém a qualquer pessoa famosa, Jô Soares também não passou incólume às críticas – muitas merecidas, e outras até motivando a mea culpa do apresentador. Por vezes, Jô desdenhou das ideias de seus entrevistados, enquanto noutras oportunidades passou praticamente toda a entrevista rasgando elogios para seus amigos de longa data. Por vaidade ou por descuido, cometeu erros como é de praxe de todo ser humano. Assim, sua relevância pode até ser colocada em perspectiva, mas jamais ignorada.

Neste mês de dezembro, o Programa do Jô encerra sua exibição, terminando concomitantemente quase três décadas de seu talk show. E ninguém ainda sabe do futuro do artista. Cá entre nós, desconfio que será bem humorado. Com um jazzinho de fundo, é claro.

> Crônica publicada no jornal Notícias do Dia em 15/12/2016.

À eternidade


Ultimamente, tenho desconfiado bastante dos ídolos. Não por questões morais dos indivíduos em si, mas por entender que a fragilidade se esconde até no mais valente dos heróis. Por outro lado, talvez a desconfiança de fato deva pairar naqueles que confiam desesperadamente em seus ídolos. Em última instância, ninguém nos salvará – salvo nós mesmos. Mas essa desconfiança não é um sentimento impulsivo e impensado. Ao contrário, penso que seja resultado de muitas decepções. Afinal, falsos profetas existem desde sempre.

Ainda assim, ter um ídolo ou vários não é necessariamente um problema, tampouco uma questão ética ou moral. A inspiração, por exemplo, é um fruto quase sempre positivo do legado dos ídolos. Reproduzimos suas falas, refazemos seus gestos e encontramos assim a satisfação de um bem maior que nos acostumamos a chamar de exemplo. E também somos exemplos para alguém. Sempre. No trabalho, na família, na escola: muitos olham para nós buscando alguma nuance que lhes possa trazer algo, mesmo que de modo inconsciente. Até nossos rivais nos ensinam a fazer diferente. O exemplo é a forma mais antiga de aprender.

Entrementes, aprendemos com os ídolos lhes dando uma relevância muitas vezes demasiada. Mas tudo bem. Não temos réguas ou equivalentes para medir o entusiasmo e a fascinação. Além do mais, quando somos encantados por algo ou alguém, deixamos a razão de lado porque sem ela tudo fica mais divertido. E merecemos curtir um pouco todas as possibilidades – com prudência, claro. Exagerar é bom, mas tem seu preço. E os ídolos de multidões estão cansados de saber disso.

Escrevi sobre ídolos para chegar, enfim, naqueles que se foram. A tragédia do voo 2933 que tirou a vida de mais de 70 pessoas levou consigo muitos ídolos no dia 28/11/2016. E não foram apenas aqueles do esporte, ligados à delegação da Chapecoense ou dos veículos de imprensa que iriam cobrir a partida do time pela Copa Sul-Americana. Estes, principalmente os jogadores, eram ídolos de milhares e se tornaram lendas para milhões. Mas como todas as vidas são essencialmente iguais, todas as mortes representam as partidas de ídolos – para um pai, um filho, um amigo, um amor…

Desconfio dos ídolos, mas não lhes tiro a importância que tiveram em vida. E se todos podem ser ídolos, desconfio que todos abraçarão a eternidade.

> Crônica publicada no jornal Notícias do Dia em 01/12/2016.