É genial


Geniais mesmo são aquelas pessoas que a gente conhece de tempos em tempos, formando uma rede pessoal de sentimentos bacanas, compondo um cenário de diversão e diversidade.

Meus avós maternos, por primeiro exemplo, são destas pessoas que se completam porque diferentes. Os dois construíram uma grande família, mas jamais se esqueceram de cuidar um do outro nos mais de 60 anos que estão casados, e isto é genial.

Tenho uma sobrinha que se aprofundou em literatura por conta própria, mesmo que ela afirme que eu seja um dos responsáveis, já que os livros exercem certo fascínio sobre mim. Mas há muita verdade no seguinte fato: os principais responsáveis pelas escolhas somos nós mesmos, e se ela gosta de literatura, de livros e afins, a sorte toda é dela, o que é, sem dúvidas, genial.

Os dois irmãos que nasceram antes de mim se encontram e conversam com a mesma tranquilidade desde que me entendo por gente. Tanto faz se os assuntos são sérios ou não, torna-se prazeroso assistir estas conversas coerentes e, inevitavelmente, interessantes – o que é sempre genial.

Ao refletir um pouco sobre mim, não deixo de pensar da mesma forma em meu pai e minha mãe. E se ele está presente, ela também está – mesmo que os anjos tenham buscado pessoalmente minha mãe alguns anos atrás. Sou o que sou por um bocado de trabalho deles, e outro tanto de mim se formou em função de todo o resto. Ainda assim, isto me parece surpreendentemente genial.

Quando me encontro com meus primos, distantes ou próximos, compreendo que certas ligações sociais vão além de laços de sangue e, não por acaso (ou, talvez, um pouco ao acaso), isto tem mais a ver com as oportunidades de estarmos nalgum convívio gentil, no qual a troca de experiências nos revela algo genial.

Alguns de meus melhores amigos e amigas tem características tão singulares que me parece absurdo alguém não perceber suas virtudes de imediato. Sempre digo que, provavelmente, eu não seria amigo de mim mesmo caso pudesse me conhecer sendo outra pessoa. Entretanto, certamente faria os mesmos amigos e amigas que conquistei (e que me conquistaram) não importa o tempo nem o espaço. Tenho amigas que investigam as coisas e nos revelam o que nos é necessário; tenho amigos questionadores que fazem da crítica (das pessoas, da história, do mundo) algo mais que um mero aborrecimento; e como há gente genial.

Mas genial mesmo é viver um pouquinho que seja ao lado de cada uma destas pessoas que compõem minha própria rede sentimental. Todas estas personagens reais e geniais merecem este pequeno tributo e muito, muito mais.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 24/05/2012.

Sobre o ombro de vocês


Quando o Caderno Plural do Notícias do Dia ganhou cronistas fixos, no final de abril de 2008, ganhei também a sua companhia semanal. Desde a primeira crônica, publicada em 01 de maio daquele ano, uma quinta-feira como hoje, foram muitas palavras que se aproximam de quase 200 textos. Começamos, eu e os outros cronistas, com 1.500 caracteres, passamos para 2.000 e estamos atualmente com aproximados 2.500. Você aí que nos lê deve se perguntar se isto é muito, se é pouco ou, ainda, se é o suficiente. Pois eu lhe digo que as ideias não se preocupam com espaço e assim também o é para com as crônicas.

Aos que tiverem a oportunidade de ler esta crônica no jornal impresso, desejo que o sujar das mãos tenha valido a pena. Numa era em que a internet, tablets, celulares e afins deixam tudo literalmente ao alcance do toque – e aqui a expressão “mundo digital” faz um necessário duplo sentido –, é interessante termos contato ainda com este tempo antigo que vem desde as inscrições rupestres (verdadeiras crônicas da pré-história). Depois disso, passamos pela prensa de Gutemberg e atualmente estamos sob a égide dos processadores eletrônicos, como o que me ajudou a digitar estas palavras. Mas aqui, nesta página do jornal, tudo permanece igual, sendo também possível a diversão neste meio de comunicação. A crônica, entre tantas notícias sobre crimes, corrupção e guerras, é um pedacinho divertido num mar de seriedade.

Este espaço crônico revela algo sutil de um tempo presente. O escritor é aquele que lida com as palavras, seja um romancista, um jornalista, um cronista ou outro alguém comprometido com o texto. Ficção ou realidade, talvez tudo seja essencialmente literatura e, por isso mesmo, estamos todos, autores e leitores, ligados por algo imaterial e necessário chamado conhecimento – este espírito que viaja através do tempo acompanhando os nossos passos na história.

Ao ler Um Conto de Natal, obra do inglês Charles Dickens sobre um velho homem sem coração que se encontra com o fantasma de seu antigo sócio e reavalia tudo o que realizou em seus dias, uma frase em especial me chamou a atenção. Dizia o texto, quando do encontro entre Scrooge (o sem coração) e Marley (o fantasma), que o visitante de outro mundo estava “tão perto dele quanto estou, em espírito, sobre o ombro de vocês, neste momento”. A frase é genial porque coloca um laço entre o autor (Dickens, outrora / este cronista, agora) e seus leitores. E a comunicação humana não é nada mais do que um laço firmado entre pessoas, comungando o conhecimento a favor de nós mesmos. Eis o que procurei em fazer nestes quatro anos sobre o ombro de vocês.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 03/05/2012.

> Obs: o mesmo agradecimento vale para quem ler esta crônica aqui neste Blog.