Subjetividades distópicas


Transformar certezas objetivas públicas em subjetividades individuais se tornou um hábito infeliz na pós-modernidade. Pitadas disruptivas no senso comum de quando em sempre. Todos os dias presentes estão disponíveis à desqualificação do discurso. Pessoas e medidas sofrem alterações sem quaisquer prerrogativas conceituais. Eis a arena do vale-tudo na qual a disputa em si se revela uma farsa desde o embrião. A razão infecunda; coerência solapada pela idiotia que renega as narrativas civilizacionais. No adendo, o alerta: civilizações não são um salvo-conduto soberano! A falta de perspectivas (econômicas, sobretudo no atual contexto do capital) arremata o agravo à lógica. Forças desarmadas ansiosas por uma combustão espontânea que poderá nunca chegar. Entre estes apontamentos que visam desorganizar o tecido social, o fomento das subjetividades destaca-se à mesa das tradições democráticas. O banquete refeito à sombra da aleatoriedade. Seria, pois, uma ávida corrida pelo fim das teleologias? Vagas hipóteses. Antes, por suposto, convém identificar todos os agentes e/ou entidades envolvidos no financiamento destas especulações. Sim, há aqueles que apostam o tempo todo, independentemente das consequências civis. Dentro de um projeto sem regras, também é possível dar continuidade aos fatos. As distopias estão dispostas naquela mesa, aguardando uma oportunidade para evoluir.

Ferramenta fora de controle


Ferramentas tecnológicas tendem a provocar uma redução no tempo necessário para uma determinada tarefa. E a moeda, enquanto ferramenta, exerce também este papel, mas não só. Atrelada à produção material, a moeda encurta o tempo e, simultaneamente, amplia as distâncias de classe. No capitalismo, uma variação deste tema se dá abruptamente: surgem os monopólios. A moeda, então, assume o protagonismo transformando as unidades carbono – nós, humanos, por óbvio – em ferramentas deste sujeito sem alma (o capital). De criadores passamos a meros utensílios tecnológicos, facilmente manipuláveis pelo capital em sua cruzada pela acumulação infinita. Das varetas friccionadas para produzir o fogo, das pedras lascadas para cortar a carne de animais, do ferro e do bronze fundidos para os equipamentos de guerra e proteção, da prensa de tipos móveis para trazer novas luzes às letras e ao pensamento, da máquina a vapor na primeira revolução industrial, dos semicondutores presentes ostensivamente na eletrônica: as tecnologias de ontem e hoje encontram na moeda uma barreira quase intransponível, fenômeno imprevisto da odisseia humana. Pela primeira vez, talvez seja mais necessário destruir uma ferramenta do que criar outra que a substitua. Afinal, erros sobre erros só fazem aumentar o descontrole de quem perdeu o rumo há bastante tempo.

Fábrica de guerra


A guerra nasce do desencanto – presença do delírio avolumada pelo fim da expectativa do consenso. Eis a pólis derretida na ausência de dialética. O ser e o nada; vencer ou nada. O poder consome a si. O guerreiro, por sua vez, não escolhe a guerra. Desde há muitos séculos, desde a pólis estabelecida como referencial das relações sociais, o guerreiro perde ou ganha sob o mesmo fardo; uma ferramenta que carrega ferramentas. E o chão se abre abaixo, e os dias engolem os coturnos, e o vampiro ainda lhes rouba um beijo dolorido uma última vez. Pescoços partidos, mãos laceradas, corações ocultos. A guerra nasce quando a política não resolve. Para o capital, a guerra é só mais uma etapa no processo de acumulação. Para todas as gentes desesperadas, vontade não falta. Vontade de viver ou de morrer. Aventura e desventura cujo enredo se define pela classe social. Ódios e angústias se retroalimentam, como o herói só pudesse existir em oposição ao vilão. Do crime vem o combate e a maldade determina um método para a comparação das felicidades momentâneas – e toda felicidade o é! Algumas estimativas chegam bem próximas dos danos reais. Causa, consequência, capital. As letrinhas miúdas dos contratos financeiros contam uma história alternativa, sem muitos pudores e receios de censura. A guerra nasce e morre num ato apenas. Correção: a guerra jamais termina porque é ato contínuo; único motor perpétuo alimentado pela própria energia que produz. Na pólis, outra fábrica de armas gera mais alguns empregos, enquanto soldados desencantados lhes guardam os portões.

Poderosos ressentidos sempre são covardes


A covardia dos poderosos é ponto pacificado na crítica redigida sob a égide da coerência. Motivos vários impelem aqueles que detêm o poder momentâneo aos atos covardes, presunçosos por si mesmos. O ressentimento, doravante, parece ser um vício devotado nas personalidades destes atores sociais que se locupletam no mentecapismo. Ilusão fetichista? Nem tanto assim! Eles recusam a experiência coletiva justamente em virtude do fracasso que os distingue. Vocações narcisistas na ausência do reconhecimento alheio. E, quando o poder lhes cai às mãos, partem logo para a vingança extemporânea – a irracionalidade lhes preenche os sentidos tanto quanto lhes abastece de insensibilidades. De um modo contraditório e, concomitantemente, condenando a dialética, estes sujeitos se assentam no isolamento que agrega uns poucos ressentidos. Dependendo das condições materiais, a pequena massa de ressentidos ganha alguma notoriedade porque os ventos non sense lufam nos semblantes desacorçoados da sociedade explorada – pelos déspotas, pelos religiosos, pelo capital… O estado, a religião, os capitalistas não são vilões naturais, por óbvio. A servidão humana pode ter raízes instintivas/naturais, mas é a cultura/civilização quem sistematiza o mecanismo da exploração de modo a parecer que sempre foi assim. E não há engano maior. Comparativamente (e sob uma perspectiva histórica), a atuação dos poderosos tem vida efêmera porque o eco do ressentimento esbarra nos muros da coletividade. A covardia se apresenta qual sintoma mórbido destes indivíduos que se desconectaram do real.

A febre da cura


Uma época de inteirezas e incertezas – como todas as demais; diferente das demais. A medicina numa escalada proeminente de sobrevivências. O prolongamento do pulsar a qualquer custo, desde que exista capital disponível. E a existência para si como se interpõe entre tantas nuances exclusivamente físicas? Matéria em ação. Sem escolhas fatais dentro de contextos clínico-morais. Pouco importa a dor desde que haja vida? Uma jurisprudência que relativiza contextos, que se abstém da interferência política porque subjugada a esta. Filha da cultura, a medicina se conforma em obedecer a doutrina da evolução tecnológica. Cada vez mais determinismo de classe social e menos opção antropocêntrica. Na obrigação de envelhecer, as paixões escarram em corpos semidescarnados. A vida redefinida cabe numa embalagem de 14 comprimidos semanais – um para a tarde, outro para a madrugada. Entre um remédio e outro, a matéria se decompõe e recompõe no mesmo instante.

Sonhos capitais


Como substituir o capital sem utilizar outro objeto de sonho? Dos tesouros piratas e fortunas de imperadores chegando ao capital fictício em movimento, a objetificação se apresenta inerente aos modos de produção capitalistas. Há, por óbvio, uma enorme diferença entre se olhar no espelho e olhar através do espelho. Na ficção, a Alice de Lewis Carroll anulou esta diferença com um truque literário. Fora dali, os recursos materiais disponíveis encontram logo um correspondente imaterial. Capital existe muito antes do capitalismo, convém ressaltar. Sobretudo em sua forma pecuniária. O cotidiano avassalador e alienante, por vezes, impõe uma crença de que alguns materiais possuem valor intrínseco, como os metais ditos preciosos, quais ouro e prata. Destarte que todo o valor que há neles vêm de uma abstração definida pela cultura. Quando os europeus chegaram ao Novo Mundo, os nativos ameríndios não tardaram a perceber a sanha dos visitantes pelos tesouros oriundos da terra. Daí que o engodo do El Dorado se revelou um estratagema dos mais vigorosos e duradouros. A farsa persiste desde os tempos dos achamentos/descobrimentos até os dias atuais. Das trinta moedas de prata que nenhum lucro trouxeram para Judas Iscariotes aos bandeirantes que fizeram troça do Tratado de Tordesilhas para avançar pelo continente, destroçando paisagens e nativos pelo caminho: o vil metal, não importa a forma, desperta o sonhador com um fascínio metafísico. Nos oitocentos, Karl Marx compreendeu que o capitalismo transformou o capital em mercadoria (bem como em sujeito da história). Eis que o fetichismo da mercadoria alcançou o próprio capital; um desejo sem fim pelo acúmulo, pela capitalização sem a necessidade de quaisquer atravessadores; unicamente o dinheiro se reproduzindo por si mesmo ‘inda mais rápido do que os coelhos. Não há cajadadas que possam atingir os sonhos. Crises e contradições tiraram os sonos dos proletários na primeira Revolução Industrial. John Maynard Keynes tentou interagir com o sistema de modo prático a partir de um Estado interventor. Os Acordos de Bretton Woods, afinal, não passaram de uma soneca atípica, ligeira bonança fora da curva de exclusão; sesta com a barriga cheia na antevéspera do espelho quebrado. Alice encontrou o Gato de Cheshire e, como não sabia para onde queria ir, recebeu a orientação de que qualquer caminho servia. No País das Maravilhas ou aqui mesmo entre nós, nada importa sem um referencial – mesmo que seja um ponto de partida nascido de desejos íntimos fomentados pelo capital. O fim de um correspondente imaterial (de sonho) talvez seja a chave para abrir as portas que conduzem a um futuro sem crise, alienação e exploração. Porque até mesmo um pirata carece de alguma margem de segurança financeira para expropriar outrem. O Coelho Branco está atrasado para abrir sua conta no banco.

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Tempos Modernos (1936), de Charles Chaplin


Em todas as áreas da criatividade humana, poucos são aqueles que verdadeiramente podem ser chamados de gênios. Não que sejam melhores ou piores do que qualquer um de nós, mas sim dotados de uma percepção e uma compreensão de mundo raras. E este também é o caso de Charles Chaplin, cineasta genial que transformou o fictício Carlitos num símbolo de transformação por meio da inconformidade.

Ainda que tenha realizado outras obras que fogem à temática social, foi com o elegante vagabundo de bigode quadrado, calçados largos, bengala de bambu e cartola curta que sua arte ultrapassou as fronteiras da chamada indústria cultural. Chaplin, por sinal, foi um crítico contundente da industrialização desmedida. Na obra-prima Tempos Modernos (1936), Carlitos surge na tela qual um peão de fábrica, incapaz de se adaptar ao intenso ritmo exigido por seus muitos chefes. Este herói acidental, mesmo sendo vítima da exploração capitalista, decide não ser um mero cidadão conformado, tomando para si ações vigorosas que acredita serem essenciais. Cada escolha sua desafia o espectador; ele acena com sua singeleza para nós, revelando o óbvio que agora já não parece tão obtuso assim. Somos todos como o trabalhador tomado pelo trabalho, quando deveria ser o contrário. E quando encontra uma pobre garota órfã (Paulette Goddard), enfrenta até mesmo a lei na medida em que seus ideais estão em jogo. A jovem vem acompanhada pela dúvida: será que vai dar certo? Carlitos, sem responder pede que a jovem sorria. Uma estrada vazia aponta para possibilidades infinitas. E percorrer este caminho acompanhado de quem lhe quer bem pode ser mais interessante do que ter as respostas. O american way of life ficará para trás, qual um sonho incompleto.

Carlitos aparenta ingenuidade, mas não se trata disso. A personagem compartilha com seu criador algo muito maior: a sensibilidade artística e social. Chaplin compreende que o cinema mudo não trazia na ausência dos diálogos falados uma deficiência a ser resolvida. Ao contrário: o som se lhe torna um parceiro inequívoco. Carlitos, por sua vez, prosperou com a força da mímica e as palavras não lhe trariam novas sensibilidades. E, por isso mesmo, canta em seu adeus às telas uma canção debochada: a Tintina. Uma pantomima ao reverso, cheia de sentidos ocultos ao melhor estilo non sense.

Desde os primeiros curtas-metragens nos Estúdios Keystone, logo na segunda década do século XX, o ilustre vagabundo nunca se deixou enganar pelos outros, mesmo acreditando que todos possuem um lado bom. Deste modo, seu otimismo não o torna um fraco incapaz de encarar a pauperidade dos dias. Pelo contrário, suas habilidades aparecem justamente quando necessárias. Tirando um sarro de policiais e outras autoridades, Carlitos sempre foi um cidadão que exerceu seus direitos com plenitude. Pleno também o era Charles Chaplin: diretor, ator, compositor, roteirista, produtor. Tempos Modernos, último filme mudo do cineasta, apresenta uma crítica à sociedade ocidental que, sob uma determinada perspectiva, pode até mesmo ter se estabelecido como um clichê. Entretanto, o inconformismo para com a realidade que move Carlitos/Chaplin foi um momento tão singular e genial que dificilmente se repetirá.

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Algumas considerações sobre o jornalismo impresso


Novas tecnologias sempre são um desafio. Estabelecer limites, parâmetros, regras gerais, uma ética própria… nunca é um caminho fácil. Com o jornalismo impresso, as lógicas antigas foram colocadas pelo avesso quando da chegada massiva da internet. A mesma comodidade que não te faz sair de casa e matou as videolocadoras também inibe a compra espontânea da mídia impressa. Revistas em circulação há décadas desapareceram. Jornais de papel migraram para os sites. A competição online é maior, mas o fluxo das informações está inequivocamente ligado à força do capital – como todos os negócios. Ainda que alguns se vejam como super-heróis disfarçados, o jornalista e a jornalista são profissionais como quaisquer outros. Sujeitos aos mesmos vícios e qualidades, dilemas éticos e financeiros, sejam empregados ou empregadores. De modo geral, a questão dos jornais diários parece, de longe, a que chama mais atenção. Desde sempre, o jornalismo diário tem sobre si a foice do tempo, ceifando o aprofundamento que se faz tão necessário quanto maior a complexidade do tema. As duas últimas décadas do século XX e a as duas primeiras do XXI como que aprofundaram a crise da produção. Ora por ter adversários com mais recursos (a televisão, pois), ora por lidar com a onipresença do virtual. Tudo isso aconteceu, essencialmente, nos jornais bancados por grandes empresas e, portanto, amarrados às linhas editoriais que quase sempre privilegiam uma elite cheia de si. Nesse ambiente, alguns poucos excelentes profissionais se destacaram, evidentemente. Ainda assim, quem ousaria bater de frente com a política editorial dos patrões? Daí que o jornalismo é um negócio, com interesses próprios. O que não é necessariamente ruim, desde que o leitor saiba o que está comprando. E há a questão das verbas governamentais, distribuídas majoritariamente entre os veículos mais ricos justamente para manter o apoio institucional que um país tão desigual quanto o Brasil impõe. Nesse ínterim, coexistem os jornais de bairro, em sua maioria trabalhando por migalhas de prefeituras ou governos estaduais, dispostos a quase tudo para manter a circulação (que tem muito mais apelo à comunidade próxima do que um jornalão a resenhar o país e o mundo) e pagar as contas. Tudo, mas tudo mesmo, sempre esteve ligado à forma e ao conteúdo – sobretudo nas ciências sociais que lidam com objetividades cada vez mais diluídas num universo de ideias que aceita tudo. Não haverá jornalismo de qualidade sem talento, sem universidades e professores comprometidos com um sistema educacional plural e que exijam do aluno a não-conformidade. É preciso pensar e acreditar que o leitor tem esta mesma capacidade de, humildemente, saber-se ciente de si e dos outros. O Estado também precisa fazer a sua parte, apostando numa mídia muito mais variada, com pequenos núcleos espalhados por todo o país empoderando as comunidades locais, investindo na própria mídia institucional gerida por conselhos da sociedade civil, para fugir do autoritarismo que sempre atrai os que têm a caneta na mão. O jornalismo precisa voltar a fazer sentido se quiser continuar relevante.

O Rio e mais um monte


Duas décadas após a Rio-92, o Rio de Janeiro e o mundo também se encontram num momento tão peculiar e transitório como nos parecia o início dos anos 1990. Se no final do século passado tínhamos o fim das dicotomias ideológicas a favor do capitalismo, com a derrocada dos soviéticos, a recente unificação alemã e todos aqueles outros capítulos dos livros de história, hoje a situação é tão diferente quanto parecida.

O que se discute agora é, mais uma vez, o fim do capitalismo (como o crash de 1929, as crises do petróleo a partir dos anos 1950, etc, etc). Basta pegar um avião ou mesmo um transatlântico e lá estaremos na Europa fragilizada por uma moeda que lhes pregou uma peça tragicômica. Não por acaso, os próprios gregos, que formataram os conceitos básicos de comédia e tragédia, acabaram por revelar ao mundo que a globalização já não é uma ideia romântica como em outrora. A partir de 2010, com o anúncio da dívida pública grega, chegamos novamente num dos recomeços inevitáveis do capital e já não temos mais Karl Marx para melhorar suas observações e nem temos mais os Irmãos Marx para nos fazer rir dessa piada contemporânea.

Já no Rio de Janeiro há uma esperança por mudanças críticas, com as obras que visam tornar a cidade mais apresentável, por assim dizer, para os Jogos Olímpicos de 2016 e, ainda, para os jogos da Copa do Mundo de 2014 no Maracanã (que não se repita a final de 1930, com o Uruguai acabando com a festa dos brasileiros, por obséquio). Há também as chamadas pacificações, que tentam diminuir consideravelmente a presença do crime organizado, com alguma ênfase nas comunidades mais carentes, onde por muitos anos o Estado tapou os dois olhos com uma venda de seda preta. Mas a violência, como a globalização, é um elemento inevitável da desorganização social e, como o capitalismo mais do que necessita da desordem (classes sociais, lucros exagerados, especulações sem sentido), parece-nos útil que, enfim, a venda seja retirada e a seda que a originou seja produzida através de indústrias limpas, de tecnologias sociais geridas pelo empoderamento da comunidade.

A Rio+20, a bem dizer, precisaria ser muito mais que um evento sobre desenvolvimento sustentável. O Rio de Janeiro e mais um monte de gente têm que acreditar nas mudanças humanas de toda sorte, pois se foram os humanos que conseguiram destruir a natureza, serão os mesmos que podem salvá-la.

Este texto vai dedicado ao meu avô, que compra o Notícias do Dia religiosamente às quintas-feiras para ficar bem informado e, claro, ler os textos de seu neto.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 21/06/2012.

Sem fronteiras


E nem adianta insistir para fechar as fronteiras, bloquear as estradas ou mesmo construir uma muralha do tamanho daquela que existe na China. As mudanças, as mutações não podem ser contidas, ainda que seja o desejo da maioria. O ensejo do disso tudo, dessas situações que agora se apresentam nas notícias de crises e doenças, dissolve-se no ar feito líquido que aquece e se transforma no cinza que cobre as cidades ou, mais especificamente, essa Ilha de magia inventada com bruxos em disfunções profissionais.

O que sempre determinou os caminhos a serem traçados foi um desejo de sobrevivência impregnado na alma da carne, no vestígio físico de nossas células irrefreáveis. E é por vias assim que uns tantos sobem os morros, outros ocupam áreas de risco e uns poucos desistem de pensar nesses descasos em troca da comodidade. Aqueles que são fiéis com seus pensamentos teimam no livre-arbítrio como única fuga possível. Porque não importam certas regras quando o que está em jogo é muito maior e mais complexo que as vidas humanas num mundo louco de bombas atômicas e balas de gomas dividindo a mesma atenção.

Partindo do conservadorismo ancestral e atingindo níveis de fundamentalismos absurdos, os limites do que se convencionou chamar de bom senso foram há muito ultrapassados. As doenças que se proliferam, então, tendem a sugerir um contragolpe da natureza, demonstrando para aqueles ainda iludidos que nada nesse planeta acontece por acaso. Não há causa sem efeito, assim como é bobagem admitir uma pretensa passividade do meio ambiente.

O capitalismo, que apagou sonhos humanistas e colocou a culpa numa convenção disparatada que é o dinheiro, também trocou o apreço entre as pessoas pelo preço entre os produtos. Quando se consome também se é consumido. E consumado está o fado que fora desenhado desde a aurora do homem; este mesmo ente que ainda tem a atrevimento de chamar a si mesmo de homo sapiens. Que sabedoria reside na constante inversão de valores? Como enxergar inteligência na busca pela autodestruição? E nem é preciso ser muito esperto para entender do que estamos falando…

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 20/08/2009.