A Marcha da Insensatez (1984), de Barbara W. Tuchman


A ignorância política se transforma na pior das ignorâncias porque pressupõe a falta de ligação entre os grandes problemas sociais. E não se trata de um problema exclusivamente contemporâneo. Alguém aí se lembra porque Luís XVI e Maria Antonieta perderam as cabeças? Numa palavra: descontrole. Antes como agora, várias foram as oportunidades que os governantes perderam de conduzir a sociedade lado a lado com aqueles que representavam. Nas mal chamadas repúblicas, a escolha de um representante deveria ser o sucesso da maioria. Porém, na maior parte dos casos, um pleito vitorioso se traveste na glória pessoal do político populista. E se Maria Antonieta estava preocupada demais em frivolidades materiais (brioches?!) não parece muito diferente destes mandatários de egos ainda maiores que seus patrimônios financeiros.

A historiadora estadunidense Barbara W. Tuchman, em seu livro A Marcha da Insensatez (1984), apresenta uma curiosa e ignóbil tradição de governantes que buscam políticas contrárias aos seus próprios interesses. De Troia ao Vietnã, a autora desnuda a fragilidade dos governos e afirma: “Sendo óbvio que a perseguição de desvantagem após desvantagem é algo irracional, concluímos, em consequência, que o repúdio da razão é a primeira característica da insensatez”. Por isso, os troianos aceitaram o cavalo; por isso, os Estados Unidos entraram no Vietnã, mesmo que tudo levasse a crer que essa seria uma jogada ruim.

É arriscado especular se vivemos ou não num período de transição, especificamente no caso brasileiro. Da mesma forma, soa pouco prudente imaginar que qualquer período histórico não seja um longo processo transitório – o que dá margem para muitas teorias tão bem fundamentadas quanto inacabadas. E alguma lógica existe para que após um momento tão revigorante quanto o Renascimento apareçam os governos autoritários ao longo do século XX. Inflados por um poder que não lhes é de direito, esses ditadores de ocasião sempre caminham para a inexorável derrota. Mas se duas Grandes Guerras ainda não extinguiram esses déspotas do planeta, há algo de podre nessas democracias tão exaltadas quais sejam americanas ou europeias.

Os ignóbeis políticos brasileiros e de outras nações marcham, mesmo sem saber, para o expurgo. Haverá um tempo em que as mudanças serão irrevogáveis. Nestes dias vindouros, os governantes forjados na insensatez servirão apenas para provocar assombro nos alunos que cursam história, como um capítulo complementar ao livro da Barbara.

A marcha da insensatezEscrito por Barbara W. Tuchman. Originalmente publicado em 1984. Edição brasileira pela Best Seller (2012).

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Literatura Brasileira: Modos de Usar (2003), de Luís Augusto Fischer


O Brasil teve uma modernidade tardia, como fora tardio tudo o mais. Até mesmo a família real portuguesa chegou tarde nestas terras promissoras. Quando o continente americano recebeu a tradição europeia, os atrasos na importação/exportação cultural tiveram reflexos na formação nacional. Neste sentido, a literatura também segue caminhos tardios. Um fato objetivo; menos uma análise pessimista das origens de nossas desigualdades. Luís Augusto Fischer, no livro Literatura Brasileira: Modos de Usar (2003), avalia que o realismo inaugurou uma tradição em nossa literatura que perdura até os dias presentes. De Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, José de Alencar, passando por Jorge Amado, Graciliano Ramos, Erico Verissimo, chegando até Roberto Drummond, Rubem Fonseca, Ana Miranda e outros tantos. Ainda segundo o autor, este legado realista se origina no sentimento daqueles portugueses que nos colonizaram, que tinham a convicção do “não vale a pena”, sentimento” (…) marcado por falta de método, de previdência, por uma espécie de desleixo (…)”. Seríamos realistas, pois, por falta de perspectivas. Resta provado que nem todos os autores mergulham de cabeça no realismo. Há aparição singulares que destoam de tais gênero. Vide um Augusto dos Anjos ou uma Clarice Lispector; esta, no íntimo psicológico, aquele, no íntimo físico. A pós-modernidade, intrínseca à internet como registro de todo o conhecimento humano, reduziu as distâncias do tempo. Todas as épocas podem ser consumidas por igual, a qualquer momento. As ideias do realismo se fundiram numa perspectiva surreal. O avesso do avesso, como melhor se lhe aprouver. De todo o modo, parece que a literatura brasileira acordou tarde para o banquete cultural, mas teve a malandragem de aparecer na hora da sobremesa.

> Literatura Brasileira – Modos de Usar. Escrito por Luís Augusto Fischer. Publicado originalmente em 2003 pela editora Abril. Relançado em 2007 na coleção L&PM Pocket.

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Além dos limites do oceano (2001), de Mauricio Obregón


Como falar de amor sem citar os astros? Como falar dos astros sem citar o amor? Quando Romeu quis, em nome da lua, jurar que amava Julieta, a jovem donzela lhe disse: “Ah, não jures pela lua! A lua é inconstante e muda a cada mês em sua órbita circular, e teu amor pareceria variável também“. Julieta sabia do que falava. Se os astros são inconstantes, por que nós também não o seríamos?

O colombiano Mauricio Obregón, no último livro que escreveu antes de se encontrar com as estrelas, Além dos limites do oceano (2002), reconta as histórias míticas dos gregos através das correntes marítimas e das fontes luminosas do espaço sideral. Segundo os escritos de Obregón, as estrelas nem sempre se encontraram na mesma posição em que as vemos. E é a partir disso que ele procura identificar onde Homero teria escrito a Odisseia.

Instiga-nos saber que os céus estão muito mais próximos de nossas vidas do que poderíamos imaginar. As noites trazem consigo a possibilidade de observar não só o brilho das estrelas, mas também o infinito do cosmos. É como se estivéssemos no meio do oceano, quando o mar se confunde com o céu num único azul. Curiosamente, nos mais de sete mares descobertos também encontramos estrelas: no reflexo das águas e as estrelas-marinhas propriamente ditas.

Guiados por correntes marítimas, tanto os argonautas (que teriam vindo da Polinésia e povoado a América) quanto os gregos navegaram rumo ao desconhecido. Não estariam eles guiados por um nobre sentimento de amor? E os astros não os teriam influenciado ainda mais que os “mares nunca de antes navegados“, qual registrara Camões? Resta-nos tão somente imaginar algumas respostas convincentes sem nunca chegar à verdade do Universo, o que de fato pouco importa quando se ama.

> Além dos limites do oceano. Escrito por Mauricio Obregón. Originalmente publicado em 2001. Edição brasileira pela Ediouro (2002).

sea wave breaks about boulders at night

Abaixo de Zero (1985), de Bret Easton Ellis


Primeira obra do escritor Bret Easton Ellis, Abaixo de Zero carrega em si uma abordagem bastante direta da geração dos anos 1980 na cidade de Los Angeles. Nas férias da faculdade, o protagonista Clay vem passar as festas de fim de ano com a sua família e seus amigos. Festas, por sinal, não faltam na rotina quase inconsequente de Clay e de sua turma. Um dia após o outro, estes jovens de famílias ricas com pais aparentemente desligados da realidade se reúnem em eventos cheios de gente e vazios de conteúdo.

Para uma geração dita perdida como aquela oitentista, não poderiam faltar bebidas, sexo e drogas. O dinheiro, sempre fundamental nesse mundo de diversão, também amplia a futilidade daqueles dias idos. Mesmo sendo uma obra de ficção, Abaixo de Zero apresenta uma noção muito viva e presente do autor que, à época lançamento do livro, tinha a mesma idade de suas personagens principais.

Nos muitos diálogos do livro, percebemos como aquela geração não via limites em sua ações. Vejamos uma frase dita pelo traficante de drogas Rip para o protagonista Clay:

“- O que é certo? Se você quer uma coisa, tem o direito de tomar. Se quer fazer uma coisa, tem o direito de fazer.”

Ao encontrar seus amigos de infância e também uma ex-namorada, Clay não sabe muito bem como agir e se revela excepcionalmente ruim com os sentimentos.

O diálogo entre Clay e a garota, quase ao final do livro, é muito revelador nesse aspecto:

“- Pelo que você se interessa? O que o faz feliz?

– Nada. Nada me interessa. Não gosto de nada.

– Você já se interessou por mim alguma vez, Clay?

Não me manifesto, olho de novo para o cardápio.

– Você já se interessou por mim?

– Não quero me interessar. Se eu me interessar pelas coisas vai ser pior. É menos doloroso não ligar.”

Em 1987, o livro gerou uma adaptação cinematográfica, tendo como protagonistas os atores Robert Downey Jr., Andrew Macarthy e Jami Gertz. Abaixo de Zero foi publicado originalmente em 1985 e lançado no Brasil em 2011, numa parceria entre as editoras Rocco e L&PM Pocket. Em 2010, o autor publicou nos EUA a continuação da história, que ganhou o título de Suítes Imperiais. Desta vez, as personagens envelheceram quase três décadas e ganharam destinos inusitados, seja por estarem mais experientes e/ou conformadas com o que se tornaram. 

Se há uma moral que fica abaixo de zero é que o vazio também enche.

Abaixo de Zero. Escrito por Bret Easton Ellis. Lançado originalmente nos Estados Unidos em 1985. Publicado pela editora Rocco no Brasil em 1987. Republicado numa parceria entre Rocco e L&PM Pocket em 2011.

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