A (boa) concentração da informação


Não é de hoje que os monopólios privados são passíveis de questionamentos. No ambiente das mídias, a visibilidade é ainda maior justamente por se tratar de uma esfera social de divulgação. Ainda assim, apesar do que pregam uns mais exaltados, os veículos de comunicação são nada mais do que uma metáfora explícita de tudo aquilo que forma e reforma a sociedade. Para o bem e para o mal, o que importa é o caráter de quem explica, informa, questiona, avalia, repercute e transforma o cotidiano em favor dos aflitos.

Claro que temos de ter regulamentações, até mesmo porque grandes concentrações de renda/poder acabam provocando, inevitavelmente, desigualdades doídas e, em muitos casos, explorações exageradas de uns sobre os outros, de poucos sobre muitos. Eis um papel que os governos estão devendo há tempos.

No entanto, existe um aspecto da concentração da informação que nos é muito aprazível. O processo tecnológico atual nos permite acessar milhões (talvez bilhões ou trilhões) de dados e informações com apenas um clique. Numa era visual como a nossa, um site de hospedagem de vídeos como o Youtube talvez seja o exemplo máximo de como esse agrupamento de fontes possui um viés transformador de modo inédito na história humana.

Não que seja fácil, mas com alguma dedicação e habilidade natural – uns chamariam de dom –, a partir dos vídeos disponíveis na rede um sujeito pode aprender questões de física aplicada ou tocar piano, descobrindo novas singularidades no que diz respeito ao mundo real e ao universo das proposições científicas. Em alguma medida, claro, não existe informação gratuita na internet – e talvez não seja o caso de reivindicar isso ainda, já que estamos momentaneamente nessa coisa chamada de capitalismo enquanto não encontramos nada melhor. O fato é que o acesso está aí; pelo menos em países democraticamente saudáveis. As possibilidades são infinitas, mesmo que as ferramentas de busca privilegiem os dados que mais lhe trazem retorno financeiro.

Com alguns ajustes e aprimoramentos, podemos até mesmo imaginar que um site qual o Youtube será o grande professor das próximas gerações. E não será nada mal ter um acervo gigantesco de conteúdos plurais para que cada um forme sua própria opinião sobre o mundo. Nesse nosso momento político de opiniões apaixonadas e pouco interessantes, uma geração formada com muito embasamento prático e teórico viria a calhar sobremaneira. É preciso destacar que a tecnologia nunca é um fim, mas um meio; e o meio é a mensagem. O upload é por sua conta.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 09/06/2016.

Gravidade zero


Num futuro talvez não tão distante assim, os que sobrarem de nós e dos nossos terão abandonado a Terra seja pela poeira das indústrias ou pela contaminação de mares e rios. Esse planetinha que nós tanto amamos (ainda que não o tenhamos respeitado como deveríamos) será somente uma lembrança nos corações vindouros e talvez a grande ficha cairá sobre eles como um meteorito de alta precisão.

O vácuo do espaço, então, será o abrigo temporário, enquanto os físicos de então buscarão uma forma de contornar a velocidade da luz para ocupar planetas longínquos. A exploração espacial já não terá mais este nome porque fará parte do cotidiano daquelas gerações sobreviventes. E, cá entre nós, na imensidão do cosmos sabemos de pouquíssimos lugares convidativos. O jeito será permanecer protegidos em naves ou estações espaciais que possam garantir a manutenção da espécie e, com sorte, de parte do meio ambiente que nos sustenta.

Assim, surgirão dúvidas sobremaneira relevantes quanto à existência sob o impacto da gravidade zero. Para além das dificuldades normais (como, por exemplo, os objetos caírem para cima), que outros dilemas essa força de atração nos legará?

Vejamos, por exemplo, as relações privadas. Imagine você amando tão próximo às estrelas, mas as cobertas teimando em levitar por conta própria, descobrindo os corpos encaixados. O espaço é frio, lembrem-se disso. Só o calor humano e um aquecedor de ar para dar conta do recado.

Outras impropriedades repercutirão nos esportes. Se haverá algum contratempo para marcar um gol num jogo de futebol, imagine para pontuar numa partida de vôlei, quando a bola obrigatoriamente precisa encostar no chão para a jogada ter fim. Será o caos para os árbitros.

Do esporte, pois, partimos às atividades domésticas. Regar o jardim? Só se a grama estiver no teto. Mudar os móveis de lugar? Sim, mas com pregos e martelo do lado. Donos e donas de casa ainda precisarão manter sempre seus lares fechados, pois todos os seus pertences poderão sair pelas janelas caso esta medida não seja tomada.

Mas o que falar das leis e dos governos? A ausência de gravidade trará algum benefício nesses aspectos? É difícil prever, pois vivemos um período de grande desrespeito para com a jurisprudência. O que valeu para ontem poderá não valer para amanhã. Mesmo assim, podemos supor que a corrupção e a bandalheira em geral não terão o mesmo peso em gravidade zero. Os inimigos públicos deixarão de carregar um enorme fardo que parecerá muito mais leve do que realmente é. A eles, desejamos um futuro pesado no único espaço que lhes compete: a cela de uma cadeia. É esperar para ver.

> Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia em 02/06/2016.