Em Bonequinha de Luxo (1961), de Blake Edwards, Audrey Hepburn interpreta uma aproveitadora de ricos, interessada apenas na boa vida que os homens podem lhe oferecer. Holly Golightly descobre o mundo real e os sentimentos sinceros justamente quando se encontra com o pobretão Paul ‘Fred’ Varjak (George Peppard). Fred é, coincidentemente, um simulacro masculino de Holly: envolvido com uma mulher que não ama, permanece apenas pelo fato desta sustentá-lo.
Troquemos os Estados Unidos pela França e eis que temos Amar… não tem preço (2006), de Pierri Salvadori. Audrey Tautou interpreta Irene, acompanhante de luxo que se envolve com um pobretão, pensando que este é um milionário. Jean (Gad Elmaleh), ex-garçom, apaixona-se por Irene e, igualmente, torna-se acompanhante de luxo para sanar as dívidas em um hotel. Não por acaso (ou talvez por acaso, vá saber a intenção do roteirista!), Irene está hospedada neste mesmo lugar em companhia de um milionário.
Essa comédia francesa de situações banais ligadas pelo destino pretende rir de si mesma, do gênero comédia romântica e de Hollywood. Tautou age qual uma bonequinha de luxo um tantinho mais maldosa que Hepburn. Por sua vez, Elmaleh soa tão parecido com Nicolas Cage que chega a copiar-lhe a atuação deste em Cidade dos Anjos (1998), de Brad Silberling. O olhar que não pisca, um tanto de tristeza e mais outro tanto de surpresa. Já as semelhanças com a comédia romântica de Edwards são incontáveis. Até mesmo o vestido que Irene admira na vitrine parece uma versão atualizada e muito mais decotada da mesma peça que Audrey Hepburn imortalizou no pôster de Bonequinha de Luxo. Hollywood ainda está lá ao som de Can’t Take My Eyes off You, uma das canções estadunidenses mais reconhecidas no mundo e, repetidas vezes, utilizada em filmes.
Com um roteiro esperto, o diretor Pierre Salvadori tornou suas personagens produtos unicamente do presente. O passado permanece apenas sugerido, seja no cotidiano sem graça do garçom que leva os cachorros das senhoras para passear, seja no caderninho de nomes e telefones que a bonequinha francesa guarda consigo para situações adversas.
Se amar não tem preço, para todas as outras coisas há o cartão de crédito. Endividados que somos, buscamos no amor alguma redenção para longe do capital. No ocidente, a comédia romântica tem tudo a ver com a prestação que vence no final do mês. Irene e Jean vão pagar a conta.