Rio 2 (2014), de Carlos Saldanha


O diretor de animações Carlos Saldanha já revelou sua paixão pelo Rio de Janeiro quando lançou o filme Rio (2011). Para este Rio 2 (2014), transformar novamente a capital carioca em imagens animadas seria apenas uma redundância. Por isto, apesar do que o título do filme possa indicar, a maior parte da história acontece na Amazônia. Essa mudança de cenário é absolutamente adequada quando se pensa no uso das cores, um ponto fundamental nos longas-metragens produzidos no computador. Claro, há muitas formas de explorar os recursos digitais, mas Saldanha já demonstrou um grande domínio dessa técnica, tendo no currículo a direção ou codireção dos três primeiros filmes da saga A Era do Gelo e da aventura Robôs.

Nesta sequência, a ararinha azul Blu viaja para a Amazônia com sua companheira e seus três filhos quando descobrem que pode existir um santuário escondido no meio da floresta com outros animais de sua mesma espécie. Como no primeiro, o tema da preservação da natureza está presente. Enquanto no primeiro filme eram os animais que tinham de se adaptar à vida dos humanos nas cidades, desta vez serão as pessoas que aprenderam uma lição de convivência e respeito para com o meio ambiente.

Durante esse conflito de espécies, o desajeitado Blu ainda vai ter de encarar o convívio difícil com o pai de sua amada Jade, a presença do esnobe Roberto, um antigo amigo de sua companheira e, claro, sobreviver na estranha vida selvagem, o que se torna uma tarefa bastante estranha para uma ave criada pela humana Linda numa casa do Minnesota (EUA).

Como acontece em muitos filmes nos quais os animais são as personagens principais, Rio 2 traz um festival de criaturas com as mais curiosas características. Há a volta do teatral vilão, a cacatua Nigel, acompanhado de uma rã e admiradora apaixonada chamada Gabi e do tamanduá Carlitos, que usa cartola e homenageia a criação de Charles Chaplin. Ainda somos apresentados aos filhos de Blu e Jade: Bia, Carla e Tiago, que se encantam pelas possibilidades de uma nova vida na região amazônicas. E, claro, temos um desfile de divertidos animais, como as tartarugas capoeiristas, o bicho-preguiça que faz rimas e uma orquestra de mosquitos. E, claro, a inseparável dupla de pássaros Nico e Pedro, já mostrados no primeiro filme.

Mas o que realmente falta em muitos momentos desta produção é a empatia para com as personagens principais da história. Se as características de Blu, Jade e de seus três filhos fazem desta uma família tão próxima às nossas experiências do lado de cá das telas também nos deixa ligeiramente frustrados por não assistirmos nada de novo. Ninguém vai ao cinema para se reconhecer apenas nos lugares comuns ou nas atividades que se realizam regularmente. As animações de sucesso quase sempre trazem uma história de aventura e transformação, como quando o ogro Shrek entende que a família é mais importante do que seus dias de diversão solitária em Shrek para Sempre (2010) ou quando Carl Fredricksen percebe que as recordações são importantes para a vida presente e não para se fechar num passado que não voltará jamais em Up – Altas Aventuras (2009), para citar exemplos de filmes de outros dois estúdios especialistas em animações.

A diversão de Blu existe e é compartilhada, tanto com sua família quanto com a plateia. Mesmo assim, fica uma sensação de que poderia ter sido muito mais.

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Lucy (2014), de Luc Besson


Scarlett Johansson já provou que sabe pular de papéis sérios para outros nos quais o entretenimento está em primeiro lugar. Neste Lucy (2014), do diretor Luc Besson, a atriz tem que dançar conforme a música. O roteiro, escrito pelo próprio Besson, junta elementos de ação pura que se alternam numa discussão filosófica sobre a própria existência. E engana-se aquele que acredita que temas assim não são atraentes. Pelo contrário, todas as histórias humanas, desde os registros das primeiras civilizações, buscam compreender o que somos e nosso papel no mundo.

Afinal, esta é também a discussão mais interessante de heróis e heroínas dos quadrinhos. Por que o milionário Bruce Wayne decide encarar o crime vestido de Batman em vez de curtir a vida? Por que grandes poderes trouxeram responsabilidades ainda maiores na vida de Peter Parker / Homem-Aranha? O Super-Homem foi enviado à Terra para iluminar a vida das pessoas, como aquele judeu fizera há dois mil anos, antes de ser crucificado? São essas questões que movem todos os personagens, reais ou imaginários.

A Lucy de Scarlett Johansson é uma pessoa tão comum quanto qualquer outra. Mas na trivialidade do dia a dia, depara-se com uma inesperada transação que dá errado e uma nova droga experimental (ou coisa que o valha) acaba vazando em seu corpo. Vai daí que Lucy acaba ampliando sua capacidade cerebral – pois, segundo o roteiro, usamos apenas 10% do cérebro.

Enquanto a personagem caminha para os 100% de sua capacidade cerebral, o filme de Besson alterna cenas reais da própria caminhada do universo. Não por acaso, Lucy também é o nome da primeira mulher da qual se tem registro: uma fêmea da espécie Australopithecus afarensis, cujo fóssil de 3,2 milhões de anos foi encontrado em 1974. Assim, temos a narrativa completa da humanidade, da primeira à última mulher, porque todo o entendimento da existência é, até o momento, um ciclo que tem de ser completado.

Luc Besson é um diretor visual por excelência. Em seus filmes mais intimistas, como Subway (1985) e Imensidão Azul (1988), ou em produções de muita ação como O Profissional (1994) e O Quinto Elemento (1997), a imagem ganha ares de espetáculo porque se quer forte a todo instante. Claro que Lucy, ao explorar os limites do cérebro (e, por que não?, da imaginação) é um campo aberto para imagens impactantes cheias de efeitos especiais. Mas, para além disso, o diretor ainda escolheu uma atriz que dá conta do recado.

Lucy

Hércules (2014), de Brett Ratner


Os heróis míticos ou mitológicos fizeram uma divertida companhia para aquelas crianças e adolescentes que assistiam as matinês televisivas das décadas de 1980 e 1990. No Brasil, a Sessão da Tarde, exibida ainda nos dias atuais, foi determinante para apresentar obras que se tornariam clássicos juvenis. Assim, os que hoje estão na faixa dos 30-40 anos, conheceram a força de Conan, o Bárbaro (1982), de John Milius, e a sagacidade do príncipe que busca salvar sua noiva em Krull (1983), de Peter Yates.

Agora, chegou a vez de uma nova geração retomar estas histórias épicas, como acontece no filme Hércules (2014), de Brett Ratner. Neste caso, o herói vem da mitologia greco-romana, que mistura deuses, homens e outras criaturas para dizer qual o verdadeiro papel que temos no mundo. Hércules, vivido por um vigoroso e divertido Dwayne Johnson, é apresentado como um mercenário que acaba recuperando sua verdadeira vocação: trazer justiça para todos, com o velho discurso de que, para ter paz, a guerra parece ser um caminho inevitável.

A película ainda aponta para uma ideia de realidade que acaba não se cumprindo totalmente. Por vezes, ficção e história se confundem e, por tabela, confundem também o espectador que está ansioso, principalmente, por uma aventura que promete ser divertida. Brett Ratner não é um dos diretores mais inventivos de que se têm notícia. Ainda que o gênero “filme de herói” não lhe seja estranho, vide X-Men – O Confronto Final (2006), neste Hércules o que mais se evidencia é um desconforto entre o drama épico (influenciado por Gladiador e 300) e a aventura fantástica (daqueles filmes dos anos 1980 e 1990).

Claro que, apesar dos problemas, ainda é possível se divertir quando você deixa de buscar na produção algo além do entretenimento. Aliás, é bastante curioso que Dwayne Johnson, outrora conhecido como The Rock, venha firmando sua carreira sobre filmes que casam muito bem com uma descompromissada matinê: caso de O Escorpião Rei (2002), A Montanha Enfeitiçada (2009) e Velozes & Furiosos 6 (2013), para ficar apenas em três produções bem distintas. Com este Hércules, Dwayne como que se transforma numa espécie de Arnold Schwarzenegger do século XXI, mesmo que seus filmes fiquem devendo muito para obras como o já citado Conan, o Bárbaro, a comédia Um Tira no Jardim de Infância (1990) ou mesmo o praticamente insuperável O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final (1991).

Talvez assistir Hércules na Sessão da Tarde nos permita um olhar ligeiramente mais gentil – tanto para o mito, quanto para o filme.

hecules

Caçadores de Obras-Primas (2014), de George Clooney


George Clooney, que escreve e dirige este Caçadores de Obras-Primas (2014), possui uma carreira autocontrolada como poucos astros da atual Hollywood. Quando estrelou Batman & Robin (1997), de Joel Schumacher, o ator precisava de um filme-evento para tornar seu rosto viável no meio do cinema. Deu certo, mesmo com o retumbante fracasso do filme que enterrou a franquia do herói mascarado por oito anos. Clooney aprendeu com o erro. Desde então, já faturou um Oscar como melhor ator coadjuvante por Syriana – A Indústria do Petróleo (2005), de Stephen Gaghan, e outro como produtor pelo filme Argo (2012), de Ben Affleck.

Acontece que o ator, produtor, roteirista e diretor também se tornou um ativista ou coisa que o valha. Por consequência, volta e meia damos com notícias de seu engajamento em questões políticas e sociais. Em 2012, chegou a ser algemado e preso, acusado de invadir a embaixada do Sudão em Washington, em protesto contra as ações do presidente Omar al-Bashir. Deste modo, o principal nome do cinema oriundo da série televisiva Plantão Médico (1994-2009) divide sua carreira entre megaproduções e filmes de baixo orçamento, nos quais aborda temas mais complexos.

Quanto aos filmes que dirige, Clooney ambiciona discutir situações sérias e importantes para sua visão democrata. No entanto, falta-lhe o talento necessário para ficar atrás das câmeras com a mesma segurança que tem ao atuar. Nalguma medida, ele não soube aproveitar o fato de ter trabalhado com diretores inventivos e originais, caso de Robert Rodriguez em Um Drink no Inferno (1996), Terrence Malick em Além da Linha Vermelha (1998) ou de Alfonso Cuarón em Gravidade (2013).

Mas em Caçadores de Obras-Primas, sua inspiração parece ser mesmo a do inconstante diretor Steven Soderbergh, com quem trabalhou meia dúzia de vezes, sendo três destas na trilogia iniciada com Onze Homens e um Segredo (2001). Assim como na película de Soderbergh, Clooney também chama uma penca de atores famosos para contar sua história. Neste caso, porém, os homens que buscam as obras de arte roubadas pela Alemanha nazista durante a Segunda Grande Guerra são inspirados em pessoas de verdade, com nacionalidades distintas – o que dificulta ainda mais para o diretor, arraigado em valores tipicamente estadunidenses.

Imaginamos que Clooney almejava prestar uma homenagem para estes heróis de guerra, cuja missão consistia em preservar uma parte importante do patrimônio cultural e mundial. Pena que a intenção louvável se perde numa narrativa sem sobressaltos e tão previsível como a derrota do Terceiro Reich. Suas cenas curtas não carregam nem mesmo aquela agilidade divertida como nos truques narrativos de Soderbergh; seus atores não são exigidos (vide a falta de entusiasmo nítida em Bill Murray e Matt Damon); para completar este tom de desacerto, o lado cômico sugerido nas relações entre os caçadores tampouco melhora o enredo do filme.

Ao final de suas próprias batalhas, George Glooney parece não ter tanto autocontrole assim, pelo menos quando está sentado na cadeira de diretor.

cacadores