Batman: Noel (2011), de Lee Bermejo


Porque justamente um clássico, Um Conto de Natal, romance curto publicado em 1843 pelo escritor britânico Charles Dickens, é revisitado de modo intermitente, seja pela própria literatura, quanto por meio de filmes, histórias em quadrinhos, novelas e artes diversas. Em Batman: Noel, escrito e ilustrado por Lee Bermerjo, o autor entende a perenidade da obra original e a toma para si naquele recorte urbano e social que tanto é característico de Ebenezer Scrooge quanto de Bruce Wayne. O capitalismo em ebulição presente na obra de Dickens cede espaço à homenagem canônica do Batman. É menos sobre riqueza e mais sobre o individualismo de que se detêm Bermejo. No cerne de Um Conto de Natal, está a redenção – e é precisamente esta a linha mais tênue e complicada pelas quais atravessam as histórias de Scrooge e Wayne.

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Planetinha outrora azul


Podemos modificar seu bebê por um preço justo. Talvez essa frase pudesse ser o título de um conto de Philip K. Dick, um dos maiores escritores de Ficção Científica do séc. XX. Mas a realidade é que a manipulação genética já está batendo à nossa porta. Sem alarde, um suposto cientista chinês acaba modificar, em laboratório, os genes de duas garotas gêmeas. Elas nasceram há poucas semanas, em perfeito estado de saúde, após terem sido concebidas através de inseminação artificial.

O anúncio, muito apropriado para os nossos tempos, foi feito através da plataforma de vídeos You Tube. Dizem que os bebês são imunes ao vírus da Aids. Não há confirmação da notícia pela comunidade científica internacional. Não foram escritos artigos para revisão por pares. Ainda não sabemos se a história irá se confirmar. Mas não importa. De acordo com Foucault, são as próprias relações de poder que legitimam o conhecimento.

E, hoje, todo o poder às redes sociais!

O que esperar do futuro que se está configurando, nas entrelinhas, debaixo de nossos olhos, sem notas de rodapé, sem gemidos, sem cara de nojo? Tal qual comida enlatada, tal qual nossas preferências políticas ou nossas séries favoritas, agora o próprio ser humano pode ser objeto de manipulação. Não apenas sua mente, mas todo o seu ser, todo o seu aparato orgânico. Seu algoritmo interno, escrito através de bilhões de anos de feedbacks positivos e negativos da natureza, agora pode ser reescrito. Não por mãos divinas.

Mãos de barro.

Agora, em vez da mão de Deus procurar tocar os dedos humanos – como bem representado no teto da Capela Sistina – é a mão dos homens e das mulheres que puxa a mão oferecida por Deus com toda a força, em atitude de desespero, derrubando o Senhor com a cara no chão. Jeová levanta-se com a face e as vestes brancas sujas de lama.

João de Barro.

Tal qual um passarinho, de levinho. Construindo uma casa para seus filhotes. Tentando se proteger da chuva e das intempéries. O filhote do João de Barro, dos desenhos do Pica Pau, do humano cara de pau, é agora um bichinho forte, resistente à doenças mais variadas. Em breve, poderemos ir ao site da Amazon e encomendar componentes separados; um Baby Kit para montar em casa: olhos, boca, nariz, cérebro, pernas. E até orgão sexual! Quem gritar mais, leva. Ou melhor, quem pagar mais, leva mais.

K. Dick previu isso, de alguma forma, em várias obras. Mas lembro de uma em particular, Os Três Estigmas de Palmer Eldritch. Neste livro, algumas pessoas se submetem a um melhoramento genético, chamado Terapia E, no qual o cérebro – especialmente o lóbulo frontal – cresce de forma acima do normal, entregando ao seu portador muito mais inteligência que o comum. Esses consumidores do amanhã são chamados de Cabeças de Bolha.

Poderiam também ser denominados de Homens de Lata.
Caras de Lata.
Humanidade insensível. Humanidade invisível.

O que resta de humano em nós hoje? O que sobrará de verdadeiro na realidade daqui a 100 anos? Não é feitiçaria, é tecnologia. Muito em breve, humanos dotados de melhoramento genético avançado poderão adquirir uma vantagem competitiva avassaladora sobre as pessoas pobres. Os ricos, é claro, serão os primeiros a fazer esse tipo de tratamento, seja para embelezar ou turbinar seus filhos, seja para derrubar seus competidores no mercado de ações. A farinha é pouca? Meu feijão primeiro.

Darwin demonstrou que o mecanismo básico da evolução na natureza é a competição por recursos e a sobrevivência. Os mais adaptados ao meio ambiente podem deixar a miséria de seu legado à posteridade. Eu? Nada tenho, nada deixarei. Mas será que os ricos vão querer ter filhos? A tendência nos gráficos demonstra que as pessoas mais abonadas têm mais coisas a fazer da vida que os proletários. Estes, coitados! Só possuem a própria prole para deixar como herança ao planeta Terra.

Para os pobres, uma herança feita de sangue, suor e lágrimas. Sem manipulação barata. Para os 99% que gemem e fazem cara de nojo, aquele 1% do andar de cima sorri com desdém e mostra aquela cara linguaruda de Albert Einstein, em sua mais famosa fotografia. Os ricos, como borboletas, poderão sair do casulo e voar para longe desse planetinha outrora azul. Por aqui, voltaremos a ser o bom e velho planeta dos macacos.

Uma banana pra vocês!

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Esta crônica foi uma colaboração de Tiago Masutti. Para ler outros textos deste autor, siga-o no seu BlogInstagramFacebookWattpad ou Centopeia Site.

Matrimônio do Céu e do Inferno (obra composta entre 1790 e 1793), de William Blake


A dualidade humana acompanha a espécie desde sua aurora, a julgar por suas mais antigas formas de se relacionar com o sagrado e o profano. O poeta e pintor William Blake, que foi contemporâneo do iluminismo e da revolução industrial, é um daqueles casos singulares nos quais não há referências para enquadrá-lo nesta ou naquela escola artística. O Matrimônio do Céu e do Inferno (também conhecido como O Casamento do Céu e do Inferno), na edição da Editora Madras publicada em 2004, traz as gravuras do próprio autor, proporcionando uma experiência de leitura e contemplação ainda mais instigante. Blake também ilustrou outras obras, incluindo A Divina Comédia, de Dante Alighieri, trabalho que ficou incompleto em virtude da morte do artista inglês aos 69 anos em 1827.

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Auto da Compadecida (1955), de Ariano Suassuna


Ariano Suassuna flertava entre o conservadorismo religioso e a modernidade desafiadora. Como quando João Grilo, quase ao final, chama A Compadecida com estes versos: “Valha-me Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré! A vaca mansa dá leite, a braba dá quando quer. A mansa dá sossegada, a braba levanta o pé. Já fui barco, fui navio, mas hoje sou escaler. Já fui menino, fui homem, só me falta ser mulher. Valha-me Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré”.

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Surfista Prateado: Parábola (1988), de Stan Lee e Moebius


Assim como Stan Lee, não acredito em heróis perfeitos. A antiguidade clássica nos ensina sobre a falibilidade dos mitos; porque, sob nosso ponto de vista, não existe outra narrativa que não a humana. O cosmo pode até estar aí desde sempre, mas é nossa presença nele que desperta essa coisa chamada história. Por excelência, Stan Lee era um contador de histórias. Com drama, intuição e objetividade, criou personagens que se parecem com a gente mesmo, mas a quem coisas inacreditáveis aconteceram… como ser picado por uma aranha radioativa ou ser atingido por raios gama. A genialidade, no entanto, não está no absurdo das tramas, e sim na relação pessoal para com estes desafios surpreendentes. A vida, por si só, é esta coisa sem explicação, com tantos sentidos possíveis que fazem o destino nos escapar das mãos. As grandes histórias em quadrinhos partem dessa perplexidade existencial – e o Surfista Prateado (concebido por Jack Kirby, outro mestre da nona arte, e desenvolvido dramaticamente por Lee) talvez seja um dos maiores veículos para discutir quem somos e para onde vamos. Além disso, pasmem!, ele surfa no ar. Quando Stan Lee e o também genial ilustrador francês Moebius se reuniram para produzir uma graphic novel, pareceu inevitável que um fenômeno singular na arte contemporânea despontasse no final da década de 1980. Surfista Prateado: Parábola é menos a propósito de escolhas e mais sobre consequências. O poder (mimetizado por Galactus) e sua fascinação inerente contam a história humana do passado ao futuro. O olhar decepcionado do Surfista para com as pessoas talvez seja o resultado de sua vida solitária, ainda que urdido na miséria de nossa espécie. E ninguém escapa dessa parábola.

> Surfista Prateado: Parábola. Texto de Stan Lee, arte de Moebius, cores de Mark Chiarello e John Wellington. Abril Jovem, 1989.

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Thanos, em busca de si mesmo


Dizem por aí que todas as histórias são sobre quem somos. Com Thanos, logo, não poderia ser diferente. Aquele que corteja a morte busca também seu papel na história do cosmos. A recompensa por encontrar todas as jóias do infinito, o poder absoluto do Universo, lhe trará algum conforto nem que seja com um mísero sorriso de sua amada imortal? Conhecer sua trajetória, desde seu nascimento em Titã (A Ascensão de Thanos) até o confronto derradeiro com os maiores heróis da Terra e do Universo (Trilogia do Infinito), permitirá traçar um perfil justo da personagem criada em 1973 pelo soberano dos quadrinhos cósmicos, Jim Starlin. Mas até mesmo o infinito vai acabar. Do Big Bang ao Big Crunch. Dos quadrinhos ao cinema.

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