Planeta Terror (2007), de Robert Rodriguez


O título afirma, mas talvez não seja bem por aí. Em Planeta Terror (2007), dirigido por Robert Rodriguez, o terror como que se escamoteia para dar lugar a um tema muito mais específico: o culto ao VHS.

Cineasta visivelmente calcado no imaginário da década de oitenta, Rodriguez não apenas conhece tanto as avantages quanto os désagréments du métier cinematográfico, como ainda se insere neste qual espectador privilegiado. A sintonia com o amigo Quentin Tarantino ocorre no âmbito de uma geração formada pelos filmes, assistidos nas telas de cinema ou nos aparelhos de tevê que cortavam as laterais das imagens – daí também um exercício de imaginação para completar a visão inicial de um diretor.

A dupla Tarantino & Rodriguez se faz pelo exercício de espectadores que continuam a ser; as carreiras na indústria cinematográfica têm mais a ver com doses de talento (ainda que se possa questionar esse quesito em algumas ocasiões) e oportunidade.

Planeta Terror também finge ser de outro gênero com fronteiras mais largas do que o terror: o filme de zumbi. Pura encenação, de fato. O que interessa são as entrelinhas nas quais o cinema é substituído pelo VHS, como aconteceu para alguns mais interessados e com menos dinheiro no bolso a partir da década de 1980.

O VHS se apropriou do cinema e, inapelavelmente, veio dar no atual universo do streaming. Em determinado momento do filme, o negativo se perde na projeção. Metáfora evidente para quem também se deixa perder ao ter com o cinema reduzido. Não, não se trata de melancolia ou arrependimento; somente a constatação das diferenças e divergências entre as mídias.

Robert Rodriguez se diverte fazendo o filme e a plateia lhe faz companhia a posteriori, seja procurando a melhor posição na poltrona de um cinema ou completamente à vontade no sofá da sala de casa. Convenhamos: o VHS trouxe muitos outros pequenos prazeres para além da imagem.

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Um Beijo Roubado (2007), de Kar-Wai Wong


Falar de transição num road movie pode soar redundante, mas em Um Beijo Roubado (2007), de Kar-Wai Wong, é menos a mudança de ambiente e mais a das relações pessoais que desperta o drama incontido. Elizabeth (Norah Jones) encontra o fim da transição logo no início do caminho, todavia não se permite estar pronta. Assim, viaja pelos Estados Unidos sem buscar nada de especial; talvez apenas deseje compreender em outrem como suas próprias nuanças podem ajudá-la a encarar o fim de uma relação amorosa. Ainda que o título brasileiro sugira romance, as personagens se sustentam pelo viés dramático. E Kar-Wai dirige seu interesse às ações e transições destas. Não há julgamentos porquanto das pequenas satisfações pessoais: uma jogadora de pôquer (Natalie Portman), um policial bêbado (David Strathairn), uma mulher não adaptada à vida de casada (Rachel Weisz) e/ou um dono de bar (Jude Law) descobrem alguma redenção na transitoriedade das coisas e das pessoas. Norah Jones, estreando como protagonista, deixa sua Elizabeth ser levada com alguma brandura pelas qualidades e defeitos que fascinam o diretor. Por fim, mas não feito um desfecho, até mesmo as cores do filme – e elas são muitas! – transitam como mordidas de uma torta de mirtilo que nunca acaba.

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Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles


Tão humanos quanto divinos somos todos nós, pois que a divindade nasce do homem e o homem se faz pelo sopro d’Ela. O filme Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, ampara-se nesta perspectiva religiosa-realista que tenta explicar vagamente a fragilidade do caráter pessoal. Grosso modo, a religião implica na aprovação do que as pessoas fazem de si mesmas. Atos medidos entre oportunidades e circunstâncias. Porque também estão todos conectados, os moradores da localidade carioca já não têm por onde. Tementes a deus, à polícia corrupta, aos traficantes… certo e errado não lhes permitem fronteiras identificáveis. Sincretismo e inversão de valores acompanham a estagnação social. O exagero ganha contornos toleráveis. O humano passa a ser divino quando a única coisa que lhe importa é o poder. Não é por outro objetivo que acontece a escalada da humanidade. Se Cidade de Deus parece muito mais cru que sua contra-metade Tropa de Elite (2007), dirigido José Padilha, talvez seja em função desta perspectiva que se desconstrói sob o manto da realidade. As relações pós-modernas são regurgitadas para que novas ameaças assumam o lugar das vencidas. Lado a lado, o sagrado e o profano delimitam nossa interpretação claudicante do presente.

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Falcão Negro em Perigo (2001), de Ridley Scott


Talvez a coisa mais interessante em Falcão Negro em Perigo (2001), de Ridley Scott, seja mostrar a visão interna estadunidense sobre a guerra (qualquer guerra, pouco importa), fato que se espraia pela política de um modo geral. Inadvertidamente, há uma certeza absoluta, concreta, subsumida no capitalismo e no pragmatismo, baseada numa moral autoimposta desde a fundação daquele país, de que os EUA estão fazendo o certo – aquilo que deve ser feito, independente das consequências –, mesmo com a realidade mostrando exatamente o contrário. Scott captura uma falsa objetividade sem dar por isso, porque justamente funciona no sentido contrário àquela cena do militar tentando enxugar o sangue no chão, mas espalhando ainda mais a mancha vermelha. Existe, sim, uma consciência do horror, presumida pela própria alienação do soldado que avisa ao companheiro para não pensar nas razões do conflito. O filme de guerra estadunidense segue o fluxo dos capitais, da especulação baseada em pouco menos que nada. Não deixa de ser uma abstração bem roteirizada, por vezes talentosa, quase sempre autóctone feito uma mentira honesta.

blackhawk