É bem diferente quando acontece com a gente. Pode ser uma coisinha de nada ou um problema do tamanho do mundo, mas se tem a gente no meio também há de ser sobremaneira especial. Porque sabemos que com os outros é mais tranquilo; um mundo bem menos complicado e dinâmico. Com a gente – ah! mas logo com a gente? – é sempre um carnaval às avessas, festa sem comemoração, lixo sem luxo, paixão acompanhada de sofreguidão.
Não, não é mentira quando eu digo que com a gente é mais estranho ou inoportuno. É só olhar para o lado e ver outrem. Aqueles estão sorrindo… mais adiante vemos dois ou três cantando… e quantos ainda restam… tão displicentes, como se nada pudesse abalar seus humanos corações. Mas o coração da gente é singular porque lida com as coisas de um jeito único e distinto – repentinamente, porém, somos lançados num planeta sem sentido, esperando por alguma absolvição.
Ninguém pode negar que com a gente os acontecimentos têm mais chances de darem errados. As opiniões alheias, concordemos ou não, parecem ser precisas e na medida em que os sentimentos individuais clamam. E a gente não se comove com as causas dos outros porque já temos questões sem respostas o suficiente.
Quando a gente encara face a face uma aventura, às vezes, esquecemos das personagens e, por isso, a história nem sempre acaba bem. Nalgumas oportunidade, vejam só, as histórias nem mesmo findam, porque com a gente o desfecho não se dá simples assim qual uma explosão estelar ou o desaparecimento de uma galáxia.
A fé, seja ela qual for, parece brincar com a gente. Aprendemos a enxergar as verdades possíveis, mas a gente também sabe que a mentira mora na casa ao lado. E neste condomínio fechado no qual se escondem as almas, a gente escolhe o imóvel mais incompleto. Daí que a gente não tem lareira para aquecer os corações; não temos cofres para depositar nossas expectativas e tampouco havemos de ter água para abastecer os sonhos mais áridos.
A gente não percebe aquilo que está óbvio para nossos concidadãos. Assim, vacilamos, cometemos pequenos deslizes e pedimos perdão por esta ignorância à qual já nos habituamos. Somos uma espécie em construção.
Dia vai, dia vem – mas tudo aquilo que poderia ser evitado só acontece com a gente. E está claro que, por tal motivo, somos diferentes da maioria. E admitimos que a gente gosta de todo este aprendizado, pois temos virtudes e vícios que nos permitem confessar aos quatro ventos o quanto somos gente, mas gente mesmo.
> Crônica publicada no jornal Notícias do Dia em 15/12/2011.