Papel fotográfico também consome energia


Procure nas fotografias uma resposta para as suas intenções. Boas ou más. As fotos guardam uma ideia que, tão logo acontece, desaparece na incerteza insustentável de um instante. Algumas daquelas pessoas ali nem mesmo estão entre nós. Já não passam de saudade e convicção. Porque toda energia sempre se consome. Delírio-mor conceber ou crer no infinito do que não se pode experimentar. Mesmo que os universos se repitam de pouquinho em pouquinho, a redundância hipotética jamais será uma evidência derradeira. Aquilo que te compraz ou te comprova. E tampouco ajuda repetirmos o teste com a vã esperança de obter resultados opostos, pois somos todos filhos genuínos e bastardos da contradição. Aquela imagem composta sobre o papel fotográfico sugere que as temporadas ocorrem nos entreatos. Há realmente espaços vazios nas interseções do espaço ocupado? Talvez exigimos muito de alguém que sequer esteve presente no momento do registro. Passado tanto tempo, a única certeza entre nós é a de que ninguém lembra o nome do fotógrafo.

Mais uma vez


Mais uma vez você diz que me ajuda, que o problema é meu, que sabe de mim, mas não tanto para… Mais uma vez ela poderá me amar, jamais esquecerá o que lhe magoou, estará com o coração voltado para o outro que… Mais uma vez o discurso fez sentido, tudo o que ouvi foi pura bobagem, meus ouvidos se fecharam para as falas exaltadas de… Mais uma vez a obra de arte se fez completa, tanto esboço inacabado, uma ilusão para o artista não resultará em… Mais uma vez lerei ao menos todos os livros da minha estante, nem mesmo uma prateleira, abrir uma edição a esmo e virar as páginas são coisas tão fora de… Mais uma vez o cronista avisou que estaria sem assunto para aquele dia, o entusiasmo do cronista o fez escrever todos os contos do mundo, o cronista sabe apenas contemplar as borboletas porque… Mais uma vez há o encontro entre tudo e nada – e é bom que seja assim, mesmo que seja somente desta vez.

Dormir é para todos


Não dormir parece ainda um sonho distante. Amanheço – nem sei se mereço – e sigo com sono, com os lamentos do passado, com os pesares de hoje, com as dúvidas para o amanhã talvez. Talvez? Deve me bastar a função soneca, este alerta tecnológico e qualquer coisa pós-moderno que avança o tempo na tela do telefone. Pesam-me as pálpebras, a vista cansa. O poeta se enganou na convicção do absoluto: dormir é preciso! O mundo acontece para os despertos mais que para todo o resto. Dou fé de que o sono resulta no além do que prevíamos antes de dormir. E há sempre uma possibilidade do universo se apagar durante um sonho sobre algodão doce. Veja que delícia cósmica: a entropia dentro de uma massa rosada cheia de amor, desespero e açúcar. Com o avançar dos anos, já não é tão fácil encontrar uma posição confortável para dormir – pouco importa o tamanho da cama ou a maciez do colchão. Mentira. Importa sobremaneira. Dormir é um ato de delicadeza que nos importuna desde sempre. Sou apenas outra testemunha insone flanando por entre universos feitos de algodão doce.

Felicidade e bom humor


O mundo anda tão cheio de singularidades e pormenores que alguns teimam em diferenciar bom humor de felicidade. Numa análise criteriosa, vá lá, as sutilezas são as que mais interessam. Um comentarista perspicaz observa idiossincrasias naqueles conceitos que soam como se existissem desde sempre. Mas aqui, neste momento da história humana, quando estas palavras querem se transformar em pensamento e coerência, digo em alta e boa fonte: DETALHISTAS NÃO PASSARÃO! Felicidade e bom humor são, SIM, duas faces sorridentes da mesma moeda de valor incomensurável. Não será um linguista ou, menos ainda, um sociólogo que me dirá o contrário. Sem máquina do tempo, viajo ao passado com a velocidade de uma lembrança e dou com minha avó e minha mãe, unidas por um laço tão precioso para além do sangue. Sentimento e memória. Jamais conheci duas pessoas, mãe e filha, de gênios tão distintos quanto minha mãe e minha avó. Ainda assim, certamente, foram dois dos seres humanos mais bem humorados e felizes que jamais conhecerei. Calma e essencialmente pacífica, minha mãe se interessava no outro, no próximo imediato, com um olhar intimista e nada introspectivo. Agitada e ligeiramente brava, o riso de minha avó corria frouxo com a mais trivial cotidianidade. O sorriso e a afeição acompanhavam ambas; filha e mãe de sangue, coração e caráter. É um comentário parcial, não nego, mas, por isso mesmo, tão justo como um filho e um neto cheio de saudade pode ser.